segunda-feira, 28 de outubro de 2013

TERMINEI



(Franco Matticchio)



Uma hora e seis minutos da madrugada. De um quarto de hotel na Calle Guido, 1780, em Buenos Aires, no bairro da Recoleta. Finalmente posso dizer, três meses depois que comecei e sequer imaginei que diria ou escreveria uma crônica chamada: Terminei. Clarice Lispector disse uma vez numa entrevista que após terminar um livro sempre batia sobre ela um grande vazio; outros escritores também já falaram isso. Não sei se o romance que acabei será grande, se irá ser lido ou sequer publicado. Mas o fato é que posso dizer:


Terminei!


E o vazio? Havia sentido semanas atrás, quando pensei no final ideal foi aí que senti, nesse dia após quase setenta de uma obstinação atroz, que acabaria o tal livro, e que quando assim o fizesse, onde estivesse e a hora que fosse, ao colocar as reticências finais que tanto queria, eu poderia dizer:


Terminei!


É estranho dizer isso, já que o vazio veio antes e as ideias para novas histórias também; já tenho fôlego para outra batalha que será para publicar essa história chamada “Grão de Paris”: Sobre um Ghost Writer que é contratado para escrever as memórias de um coronel/governador de nosso estado e que no meio do processo resolve sabotar o livro contando as verdades sobre o cidadão. E dizer: Terminei! – Isso o protagonista não pode dizer, pois ele não terminou o livro, já que ninguém o leu. No entanto, eu posso; de maneira tímida, entre tantos outros anunciando grandes feitos pelo mundo; entre os jornais dando manchetes sangrentas e repetidamente bombásticas; numa rua de vitrines lançando últimas modas, e numa cidade junto de amigos erguendo seus primeiros rebentos, seus diplomas suados e seus companheiros siliconados. – Todos merecidamente orgulhosos. Eu que não tenho nada disso, posso ousar partilhar com os outros, uma alegria bem menor, numa futura madrugada qualquer, algo bem pequeno, um quase gozo, quase desabafo, quase grito que vem numa palavra agora acompanhada de uma frase:


Terminei de escrever um romance.


O resto? Rende até outro livro. Mas por ora, quero apenas dar voz aquela que foi a minha voz no “Grão de Paris” e que talvez, quem sabe, se a sorte, deus, alguém ou um editor ajudar, será a voz de outros. Por ora, sou eu que posso dizer.


Terminei!

Cid Brasil

sábado, 26 de outubro de 2013

CEMITÉRIO DE LA RECOLETA





Quase todos os dias quando vejo o meu irmão, pergunto a ele: “E então, fizesse algo digno de se estar em sua biografia ou de contar para os netos?”. Digo isso já sabendo de antemão da canalhice que é perguntar isso para qualquer mortal, quanto mais para um menino de quatorze anos. Ele nunca me perguntou isso de volta. Mas se alguém ousasse, diria hoje que sim, que no dia 26 de outubro de 2013 se eu fiz algo digno de ser lembrado por historiadores (e até difamadores) de minha persona.


Adianto para aqueles de estômago fraco, de sensibilidade extrema, que tenha medo de fantasmas, que sejam espiritas ou pobres de espírito, aquelas estiverem afim desse cronista ou até mesmo se for a mãe dele, peço que por favor parem por aqui. Ah, e se você for família de alguém chamada Esther O. Martinez de Arrebalde também é bom que não leia mais esse texto.


*

Hoje foi um dia histórico para mim, não por que andei quase treze quilometro a pé ou porque finalmente paguei um preço decente por um café com leite em Buenos Aires (8 pesos), e muito menos porque uma chica disse que eu era “hermoso” no metro. Mas sim porque meus caros, eu visitei a casa de pessoas como o do escritor Adolfo Bioy Casares (amiguíssimo de J.L Borges), Evita Perón e de Cosme Argerich que soube depois ter sido um dos primeiros professores de medicina da Argentina, e todos esses jazem no cemitério ‘de la Recoleta’, no bairro de mesmo nome. É um cemitério como outro qualquer, desde que você não se importe ver pessoas batendo fotos de tudo e de todos: Dos passantes xeretando os túmulos, das flores murchas, dos jazigos tão decorados que fariam a inveja de muitos hotéis no Brasil, das estatuas que decoram e zelam os túmulos. O túmulo da ex-primeira dama Evita Perón é o mais procurado. Um senhor disse que o túmulo é mais visitado que o próprio museu da coitada. Fico imaginando o imenso aborrecimento que dona Perón e seus vizinhos menos abastados de fama e carisma devem passar com aquele barulho, as piadas sobre ela, os fãs de Madonna (havia uma moça com a camisa da cantora que a interpretou no cinema), com um desalmado fazendo xixi por de trás do túmulo de sua amiga Esther Martinez e com os guias cobrando os olhos da cara dos vivos por narrações da enciclopédia Barsa... O zelador do banheiro do cemitério, que não cobra mas exige que se pague para usar o banheiro, garantiu que a noite se escutam lamentos nas ruas adjacentes ao cemitério. Só não deve ser o caso da rua de trás e de seus botecos abertos vinte e quatro horas.


Mas creio que Dona Evita e seus ‘cumpadritos’ devem reclamar que nem flores as pessoas levam, fazer planos para afugentar os vendedores de balões ou até mesmo que Madona é Madona e Evita é Evita. Ah, já ia esquecendo o tal do fato histórico tão alardeado lá no começo. Nem vale a pena contar, tô com vergonha agora. Mas sabe o desalmado do xixi em pleno Cemitério de la Recoleta? – Então...

Cid Brasil

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

PLAZA ONCE






Nesse banco pode ter sentado muito gente. O pai de alguém importante, a irmã de alguém importante e até o próprio cidadão importante. Por ora, esse moço é anônimo. Neste banco também pode ter acontecido que algum senhor gordo ao jogar um osso de borracha para seu cão, ter descoberto que a felicidade do cão ao ir pegar o osso e voltar, era a alegria de saber que o dono estaria lá, alegria essa que ficava no páreo com aquele medo de o dono não estar mais lá; o gordo deve ter pensado que aquela é uma emoção de criança: A mesma que ele não sentia mais, por estar a tanto tempo longe da família ou da cidade natal. Pode, tudo pode ter acontecido neste banco da ‘Plaza Rodriguez Peña’ na Avenida Callao em Buenos Aires. É bem possível também que ‘una chica’ de uns quatorze anos tenha gazeado aula, e ao invés de se aventurar por outras ‘calles’ e avenidas ‘de la Recoleta’ ficou a tarde toda aqui sentada neste banco, contando as dobras em sua saia de colegial enquanto enumerava as dúvidas sobre seu futuro, se angustiando sobre o que seria dela: Menina tão prendada e obediente. Nada.

Nada também pode ter acontecido aqui. Nenhum velho ter adormecido ao ponto de começar a babar, acordar e pensar que ninguém viu nada e adormecer de novo e babar e acordar e pensar: Nada, ninguém viu nada. Sim, ninguém também deve ter percebido que se ficarmos muito parados nesse ou em qualquer banco da ‘Plaza de Rodrigues Peña’, não só ninguém vem nos importunar, como os pombos chegam para bicar ‘nuestros’ sapatos numa estranha cumplicidade.  Falando em sapatos, alguém pode ter sentado aqui e amaldiçoado até os antepassados do senhor Nicólas Rodrigues Peña, que fez tanta coisa como lutar contra a invasão inglesa e emprestar seu nome a este lugar, mas não fez nada contra as sujeiras dos cachorros e dos donos dos “perros” que não limpam as sujeiras dos cachorros fazendo com que atrapalhem a caminhada não só de belas moças, como de brasileiros distraídos que ficam olhando las chicas, los viejos, las niñas y los perros.

E enquanto esse moço limpa os pés nas pequenas pedrinhas laranjas da ‘Plaza Rodriguez Peña’, acha tudo tão bonitamente desordenado, sujo e poético que já nem reclama mais de nada. Apenas fica vendo tudo e nada acontecer em plena ‘Plaza Rodriguez Peña’ e se dizendo que aquilo tudo ali na verdade representa ele. Até não achar a caneta no bolso. Mesmo sabendo que ela estava no bolso. Era um sinal, ele pensa. Tudo era um sinal que era para se sentar ali e olhar.

Estranhamente pensa: Essa praça deveria se chamar ‘Plaza Once’. Seria mais bonito. Tem nada não, na minha crônica ela se chamara ‘Plaza Once’ e nela um monte de coisas vai acontecer. – Inclusive nada.

Cid Brasil

terça-feira, 22 de outubro de 2013

BESTÃO


(Charlotte Bracegirdle)



Não sei não, mas tem horas que desconfio que sou um rapaz bem besta. É... Pra algumas coisas. Quando terminarem de ler essa crônica vão dizer assim: “Ah isso aí, essa bestice é fingida, é interesse”. Bom, espero chegar ao final sem pensar isso de minha pessoa também.

Por exemplo, quando vejo alguém quieto, amuado – No caso algum amigo, pergunto logo “está triste?” hoje uma dessas pessoas amigas, me deu de bate pronto que perguntar isso deixa sim alguém meio triste. Acabei ali de perder um de meus bordões, uma de minhas besteirices preferidas. Não sei. Até inventar outro vai ser difícil. Uma vez, só pra distrair uma mulher bonita do tédio (e talvez da tristeza de minha companhia, nem perguntei se era isso, mas...) cheguei para ela e falei, “vamos tentar roubar um livro naquela livraria?” – Não posso dizer aqui o resultado, nem em que país foi ou se conseguimos. Mas creio que por mulher bonita vale muita coisa; até confessar isso. – Vai que alguma me lê?

Sim, na situação acima, ilustra bem a meu grau de besta, de ser besta: Mulher bonita! É o fraco de muitos seu bestão, irão dizer, mas... Sou assim desde os cinco anos de idade, me apaixonava pela coleguinha, pela prima bonita, pela vizinha, pela empregada... Era só se aproximar de mim que já estava eu fazendo planos, sonhando com as palavras certas, pedindo a deus aquela criatura. A primeira imagem que tenho na vida, é recebendo um selinho de uma mulher, era uma prima minha.

Lembrar-se dessa primeira imagem é como acordar, só que acordar dentro de um sonho, ainda vejo tudo enevoado, devia ser a emoção... Recordo que eu estava em cima do capo de um carro e ela dizia “vou te ensinar a beijar...”. Talvez esteja romanceando essas palavras, talvez ela não tenha falado isso, talvez até os beijos tenham sido em sua bochecha... Vai saber, sabem como é homem apaixonado fica assim, meio abestalhado, ainda mais no auge da quinta primavera.
Não posso dizer aqui o nome dela, pois hoje ela é casada, tem filhos da idade de quando me beijou e vai que ela lê isso aqui e diz, “tá maluco? Não foi assim não, meu compadre!” E no fim me chama de besta.

Sei lá, tenho medo, vai que ela volta, ou pior o marido.

Outra coisa bem besta que faço, - E essa não dá pra fazer sempre, é passar não horas, mas dias em uma livraria. O destino, sabendo que sou assim (um pouco besta!) me pôs numa cidade com apenas uma livraria e vários alfarrábios com acervos pouco estimulantes; então quando eu viajo, como agora, e fico fora de Maceió, vou todos os dias a livrarias: Ler os trechos dos lançamentos, comprar alguns clássicos atrasados e... Paquerar as mulheres bonitas. Falando na minha cidade, eu também já roubei um livro lá no outro dia do furto era natal, presentei o livro para uma amiga. Que por sinal, também é uma mulher linda.

Mas vou dizer aqui que fiz aquilo porque fui mal atendido e que os outros fatos narrados aqui já fazem mais de dez anos. Quem sabe assim isso dê uma ideia que amadureci, e que não sou mais tão besta.

Cid Brasil