terça-feira, 16 de junho de 2015

A PROFISSÃO DOS VAGABUNDOS


(Stanley Kubrick)



Tive um amigo que foi corretor de imóveis e no começo do ano fui visita-lo naquelas caixinhas formadas por compensados que dizem “plantão de vendas” na porta e que funcionam até aos domingos, dia em que as pessoas pensam em mudar de vida embora jamais pensem em começar pela parte mais cara. 

Para o meu amigo essa escala dominical residia no fato de que todos na empresa o tinham como o mais preguiçoso dos funcionários, e eu sempre dizia que não, que muito pelo contrário, que eles o viam como o mais corajoso dos homens para aguentar aquilo lá (e nessa parte sempre estendia os braços e mostrava para ele a maquete do prédio que nunca ficaria pronto, o ar condicionado cansado e sujo, os cartões anônimos que só tinham o nome dele com canetinha, as cadeirinhas de metal que eram mais decorativas que confortáveis...), nem na bíblia, meu velho, eu dizia, eles trabalham aos domingos e olhe que lá há muito disparate, você sabe! E ele, o meu amigo, que escapou quando criança de duas igrejas (batista e evangélica) sem maiores traumas cerebrais sorria. E nesse mesma tarde lembro que quando cheguei, notei que ele escrevia numa folha o nome das pessoas que lhe deviam dinheiro (eu era o quinto: seiscentos reais!), e o animei lhe propondo um jogo onde tínhamos que enumerar ao invés dos devedores, os vagabundos remunerados, ou as profissões dos vagabundos: Taxista, eu disse primeiro. Corretor de imóveis, meu amigo disse. E assim seguimos pela tarde, até que fechamos uma lista com astronauta e escritor. E lhe recitei uma frase do escritor Alejandro Zambra que diz que para quem tem vontade de escrever, qualquer trabalho basta, não importa muito a profissão, desde que lhe paguem e que você tenha tempo para escrever. Mostrei a meu amigo a vantagem daquele emprego, que se ele quisesse se converter em poeta ou escritor, a profissão perfeita era aquela. Havia mesa no cubículo, cadeiras (apesar dos pesares) e silêncio, era quase uma prisão no Alpes Suíços. Você está dizendo isso para si mesmo, Cid, disse o meu amigo e com muita melancolia constatei que era verdade. Uma pena ele ser loiro e eu moreno, se não teria trocado de identidade com meu amigo corretor ali, no ato. Ele que vendesse minha cara por aí, ao preço que quisesse.

Nessa tarde de domingo, falei para ele que o que me atraia na vagabundagem era a possibilidade de olhar o horizonte a tarde, sem maiores pretensões, aproveitando o simples fato que não ter nada o que se ver nesses horizontes e o meu amigo corretor me aconselhou que se meu negócio eram “horizontes descampados” que tratasse logo de virar boia-fria (o que é uma profissão bem distante da vadiagem) e aí julguei que ele já estava irritado comigo, ou com meu débito e me fui.

Hoje de manhã chegou um e-mail desse meu amigo corretor e ele diz que desistiu de vender covas rasas para as pessoas, diz ainda que conseguiu um bom dinheiro através daquela lista de devedores e junto com a indenização vai comprar um táxi e passear por aí, irei olhar os horizontes dessa cidade feia, ele me diz e diz que só vai perdoar o dinheiro que lhe devo porque lhe abri os olhos, que taxista é mesmo uma profissão vagabundamente gostosa de se ter (ele ainda não é, mas já fantasia que sim) e que ademais só o que precisará é evitar a vulgaridade dos outros taxistas que só falam de carro e mulher. Também fala que vai me perdoar os seiscentos reais que lhe devo por que hoje é meu aniversário. Parabéns para mim!
Cid Brasil