segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A FALTA DE METÁFORA



(Dan Witz)



Política é um local onde só devemos temer o pior. Nada mais do que isso. E eu, como bom alagoano, vacinado nesta seara, cidadão que já teve de votar, por temer o pior, em completos idiotas, em gente que sob condições normais de pressão e temperatura perderiam até para um manequim de loja, só posso dizer que a única coisa que me assusta, de verdade, são alguns eleitores, ou a inocência contida, principalmente, nos discursos de uma direita que outrora parecia tão calma, tão ocupada, sonhando com viagens para Orlando e Miami, e que de repete resolveu “abrir os olhos” – sim, prefiro crer que é inocência, que é coisa de quem por preguiça ou azar, não leu, não viu e não lembra, ou não ficou bastante tempo sozinho moldando seu caráter, costume de quem teve pai e mãe-patrão, ao invés de só pai e mãe. Muito embora suspeite que tal espírito reacionário (ou ReAÉCIOnário), aparecesse, como sempre aparece, fosse qual fosse o assunto e o período. A diferença é que os ódios, a burrice e o preconceito, desta vez estão mais nos óculos.


E o pior – como sempre pode piorar – é ter de ver e ouvir gente que você gosta, admira e até dorme de vez em quando, reproduzindo a estupidez, arrastando essa carroça do qual ninguém pode subir, ou pedir carona, uma carroça azul e blindada, cuja única obrigação e arrasta-la. E nunca é demais lembrar, que a ditadura militar fez cinquenta anos em 2014, e ao contrário da idade preferida para se infartar, ele, o espírito brasileiro de 64, está correndo na praia, comendo macrobiótico e envelopando os dentes. Está enxutão. Talvez por falar em opressão, lembrei agora daquela fala, da moça degolada na revolução francesa, que disse: “liberdade, quantos crimes são cometidos em teu nome”. E dessa forma, meio bestial, meio besta, ás vezes penso, como tanta liberdade (de expressão, no caso) como é possível não termos um segundo turno entre o tal Pastor e a Dilma; ou entre Levy F e a Dilma. Seria a metáfora perfeita da falta de metáfora.


Era só isso que eu tinha para falar sobre política.


Cid Brasil


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

NO EXIT


(James Ensor)



Euclides entra numa loja de conveniências de um posto de gasolina para pensar e pedir um chá de camomila, e ato contínuo, se da conta do absurdo que é entrar ali com esses desejos, ainda mais morando numa cidade tão pequena como aquela, onde, no máximo, de qualquer lugar que esteja sempre estará a vinte minutos de casa. Na verdade está cansado. Na verdade, Euclides está deprimido. Pede um café com leite depois de ouvir, do balconista, que não há chás de camomila em noites de sexta, Euclides sorri da resposta um tanto absurda, não sem antes responder que já era sábado, o atendente franze o cenho e faz uma cara de tédio. Euclides sente-se mal, pensa em pedir desculpas para o rapaz, pensa no rapaz, pensa no cansaço do rapaz, cansado de tantos bêbados, de tantas piadas como aquela. Pensa no bêbado escorado na única mesa do lugar, único cliente, além dele. 

Bebe rapidamente o café. Pede outro. Depois pensa que é uma pena, ter deixado de beber por causa da literatura (a que tenta escrever, e a que lê). O atendente mexe no celular, sorri de algo que lê, outro atendente puxa assunto com o do celular e reclama da lentidão do relógio. Depois falam sobre vestibulares e possibilidades de mudança. Euclides pensa em J e em G. Num guardanapo escreve essas iniciais, ao contrario do que parece, J é uma mulher e G um homem, depois Euclides recrimina-se por tal piada ruim e como para esquecer-se dela, amassa o guardanapo e o coloca dentro da xícara vazia. Euclides, nessa madrugada, trocaria o desejo pelo chá de camomila – que é grande e verdadeiro e é a única coisa viva que possui – para prosear com J e G. Talvez até ao mesmo tempo, num lugar como aquele, refrigerado e quieto. Pensa também que o melhor seria ver os dois conversarem, e ele de fora, assistindo. Mas depois percebe que tal reunião poderia acabar em deboches, farpas, tapas na mesa e posteriormente, desprezos, já que J e G constituem os dois polos divergentes que levaram Euclides a suicidar, cada uma no seu tempo, tais amizades.

Euclides tem vontade de ir à praia, a cidade, é tão ridícula que oferece até isso em outros vinte minutos. Sabe que não irá. Ainda é madrugada, tem medo, medo até de encontrar ele mesmo, caminhando sozinho, num futuro ou num passado, e não saber o que dizer. Euclides tenta se animar, pensa na literatura, sabe que para conseguir razoáveis parágrafos, páginas medianas, precisa de alma de escultor, de pugilista, de bailarina. Anima-se, um pouco, ao dar-se conta de que das pessoas que conhece – mesmo as sem pretensões artísticas – é um dos poucos com essa coragem. Com esse rigor de samurai. Sabe também que isso não é garantia de nada, pois pode leva-lo a rancores, frustrações e a loucura (não a loucura quixotesca) – precipícios que nunca experimentou por ser jovem e inocente. Ainda assim, aprendeu, nos poucos livros que leu, com o próprio G, com seus pais, que o único escudo é a bravura. A poesia. 

Um rapaz vestindo uma camisa da seleção brasileira entra na conveniência e Euclides pensa que se fosse jogador de futebol, algo que queria – mas não com força suficiente – na infância, podia estar agora desempregado, ou com uma angústia chinesa, indecifrável e feita de aço. Coloca a mão no bolso. Sorri. Não tem dinheiro para pagar os cafezinhos. Vasculha todos os bolsos, duas, até três vezes e a única coisa que encontra é seu caderninho de anotações, lê as primeiras páginas e acha tudo incipiente, ainda que não blefe, nem seja pedante, como tanto detesta em alguns escritos alheios.

Cid Brasil