quarta-feira, 12 de novembro de 2014

TRÍPTICO


(Francis Bacon)



LEBRE, zelador, segurança e caixa do SEBO FRANCISCANO.

Então, eu me chamo Lebre. Eu não gosto, mas, sabe como é apelido... É igual a amor, quanto mais agente implica, mais é que gruda. Eu trabalho aqui desde que tinha dezoito anos. Tenho vinte e sete agora. Eu gosto de ler, leio tudo que me cai nas mãos. Mas só trechos. Não leio tudo, não dá tempo, nem tô louco. Apesar dessa cara de bandido, gosto muito de poesia. Bukowski, mano, se eu tivesse grana, tatuava a cara do velho aqui, ó! Se liga só: “fumei vinte e cinco cigarros está noite/ e você sabe sobre a cerveja// o telefone tocou apenas uma vez:/ era engano...” Eu gosto. Só não lembro o resto, mas gosto pra caralho! Do trampo? Sim, eu gosto. De onde você é? Puta mano! Lá é bonito, né? Mô dá hora. De vez em quando passas umas notícias lá da tua terra; meio embaçado o bagulho, né não? Mas as praias compensam, não compensam?


DIANA, recepcionista e hospede do HOSTEL QUIXOTE.

Ah, Curitiba? Amanhã? Nossa, e de onde você é? Tá aqui a trabalho, lazer? Ah, da terra do Renan Calheiros... Pois é, aí, desculpa.  Até no nome vocês tem água, é mesmo! Pelo menos, né? Ah, cuidado com Curitiba, não parece, mas lá é muito violenta... Bom, quem somos nós para falar em violência, né? Paulistano, alagoano... Acostumados com o inferno. Ah, em Curitiba, se puder, vá na James, na Hermes, na Slaviero... São baladas, querido!


AUGUSTO, professor universitário e habitue do balcão do RINCÓN DE LAS CHICAS.
 
Porra, garoto! Não reclama. O paulistano médio, me refiro ao classe média... Porra, classe média tem em tudo que é lugar, até nas Ilhas Cayman; falo do cara que tem seu carrinho, meu! Do cara que tem seu empreguinho de merda, viaja para Miami, essas merda... Traidor do PT. Esses daí. Tudo traidor do PT, meu! Compreende? Esse cara supera em imbecilidade todos os outros, do mesmo espírito, no país inteiro. Empata, creio eu, com o carioca médio. Não reclama, garoto! Lá na tua cidade, se alguém diz que vota no PT, eles falam o que? Mandam ir pra Bolívia? Chamam os outros de comunista só pelo adesivo no carro? Dizem que Lobão, Danilo Gentili e Roger Moreira, são mô da hora? Não, né. Mande rezar uma missa, moleque! Ao invés de só agradecer aos céus. Exato, toda semana mande rezar uma missa pela tua pela tua sorte e pela sorte dos teus amigos. Quem foi o deputado mais votado lá? Não conheço, é filho de quem? Aqui não elegemos ladrão, como gostam de dizer da tua cidade, aqui elegemos nazistas. Mas não se orgulhe, moleque, minha velha já dizia, não tenha orgulho daquilo que você não escolheu...

***

Banheiro da estação do Brás, Zona Leste de São Paulo: “Perdi meus dentes mordendo tuas coxas, sua vagabunda... / Agora só peço a Deus outro rim para te fazer feliz...”

Cid Brasil

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

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(Emiliano Ponzi)



@ curte a foto de Y. A gentileza – embora a nova foto do perfil de @ merecesse apenas o fogo – é devolvida. Visando atingir L, F compartilha a indireta postada por H dias atrás, este, (usando termos como “vodu matrimonial” e “vampirismo afetivo”) estava justamente acusando F, que não percebeu. 

I diz que o país vai para o buraco se todos votarem em X. N diz que é o contrário, que X é que irá tirar o país da lama. Ambos acusam-se de estupidez e preconceito velado, aquilo, não demora a ficar claro, deveria ser resolvido entre os dois numa cama. Ou num tribunal de pequenas causas.

C, que é um romântico de marca maior, posta mais um de seus imensos poemas que ele teima em batiza-los de crônica. O último, que fala sobre solidão e os pesadelos de um gato cego, não obtêm, com razão, nenhum mísero like e ninguém comenta ou compartilha o texto. Nem sequer a mãe de C, B, que teme pela sanidade do filho em suas orações virtuais para Q. Apenas R busca entender o texto de C, gastando, pasmem, boas três horas de seu dia lendo e relendo de trás pra frente o poema. R procura reminiscências de um passado entre os dois, coisa que faz, secreta e sagradamente, em todas as bobagens rabiscadas por C. Em certa medida, C também é um stalker, pois só se acalma nos dias de baixa audiência, olhando as fotos de J. Olhando, lógico, é um termo educado para o poder lenitivo que tem as fotos de J, não só para C, como também para outros internautas.

Um desses é K, que possui um bom emprego e uma arrogância que o levara a promoções num edifício, mas nunca em corações alheios. Seu único charme é justamente chamar-se K. Nem mesmo angústias Kafkianas, por esse bom emprego e esse charmoso nome, K possui – detalhes, é vero, que o tornariam um homem assaz interessante e por que não, merecedor, na opinião de S, seu cunhando, de alguma namorada. S é marido de X, irmã de K, pessoa que não colabora com o jogo, com a brincadeira, com o passatempo, com a roda, com a rede. X só olha. Passa os dedos e não distribui um mísero kkk ou hahaha, acreditando-se superior aquela cambada, embora goste das fotos de sunga de M; das piadas homofóbicas de E; dos clipes de música country de T e das teorias da conspiração postadas por O.

U opina sobre todos os assuntos do momento e nada, nada mesmo, escapa ao fervor nazi-fascitas dos seus comentários. Nem mesmo o papa, nem mesmo os stand-ups gravados por D, nem mesmo o novo CD de W, um músico local que só posta fotos de seus shows, estes cada vez mais lotados, dando a impressão de ser vitima de um sequestro, cujo resgate ele mesmo tem que pagar com cachês.

Shows, registrado por fãs como P, que nas noites de desespero infantil tecla com A, perfil fake de um velho que tem tara por lolitas tipo P. O pai de P, G, sente-se um coveiro de perfis, denunciando e indicando os perfis de gente morta que devem ser apagados. Um desses é o de V, que devido a uma atualização automática de joguinhos, prega sustos e mais sustos em todos os amigos e também em gente que ele, em vida, detestava, como Z, seu inimigo declarado e que, como o poema de Drummond, “não tinha entrado na história”.


Cid Brasil