domingo, 25 de agosto de 2013

NÃO ESTÁ CHOVENDO



(Franco Matticchio)



Nunca imaginei como me portaria diante do inevitável reencontro.

Se houvesse saído de casa com essa suspeita, teria ao menos calçado um sapato mais bonito. – É isso! Vou me despedir de minha companhia com promessas de que voltarei logo, ‘pois vou só trocar de sapato’. – Não, não adianta fazer isso, ou agir como se estivesse numa festa. Sou o único que não posso fingir, pois existe alguém neste salão que me tem. Lamento pelo ‘está-é-a-última-carta-que-te-envio.’, escrito e enviado semana passada. É nisso que penso enquanto sigo o garçom.


A sabedora de meus sentimentos está na extremidade esquerda desse quadrado, e sabe que só existe uma pessoa dentre as quatrocentas e vinte e duas almas aqui confinadas que seria capaz de arranjar desde um vinho decente até inventar histórias que a fizessem sorrir ou mesmo pedir que a banda parasse e que todos se calem por um minuto em respeito a ela que tem dor de cabeça... E esse convidado, não é o grandão que cochicha em seu ouvido neste momento. Quando me vejo no espelho do banheiro não é um filme que assisto diante dos meus olhos – apesar de todos os clichês possíveis de uma festa de casamento – Mas sim um livro contendo todas as minhas falas, frases e pensamentos durante o tempo que estive com ela. Até mesmo as intermináveis ligações pela manhã estão lá transcritas – assim como os meus tropeços na língua portuguesa como: Confundir eminente com iminente - O epílogo contem todos os bilhetes, bilhetinhos, guardanapos, e-mails, sinais de fumaça, trabalhos e despachos que fiz. – Ao retornar, a única coisa iminente neste salão é nosso reencontro. 


Vou cair, é o que penso, pois sustento muita coisa está noite. Agora também uma cabeça contendo olhos e sorrisos de uma desconhecida que nada sabe.


(Eu deveria ter imaginado que numa cidade desse tamanho, qualquer objeto com o sobrenome de ‘silva’ pode ser cunhada do joão grandão que a entrelaça, e que era até capaz da moça ao meu lado não ser só prima da noiva como também colega de colégio da protagonista de minhas lembranças).


O mundo não é cruel ou pequeno. É só novelesco demais. Penso ao entornar o vinho horroroso deste lugar.


Quando a moça retira a cabeça de meu ombro e me apresenta a dona do rosto com nariz alongado que eu seria capaz de desenhar até com o pé esquerdo, finjo surpresa. Fingimos. Mesmo sabendo coisas demais um do outo. O inconveniente do lado de lá (dela) do front fulmina dizendo: ‘Amor, você não disse que o conhece?’, e como todo mundo neste lugar, entoamos frases amarelas com sorrisos feitos: ‘Sim... Cidade pequena’; ‘É... Cidade pequena’; ‘Essa cidade é um ovo...’. A minha doce companhia me esfaqueia pelas costas ao perguntar sobre quando eles – O Grandão e a dona do nariz que até hoje cato em sósias na rua - irão se casar. Antes que o moço com cara de bobo a minha frente possa responder e também levar algo meu. Digo que meus sapatos estão me matando. ‘Esperem um pouco. Volto já!’.


Não está chovendo como gostaria. E apesar da hora, sigo pela calçada junto de homens de calção e chuteira, moças com câmeras e rapazes carregando violões. Todos brincando numa noite de sábado de algo que não são.

Cid Brasil

domingo, 18 de agosto de 2013

CLASSIFICADOS


(Felice Casorati)



Alguns anúncios extraídos do Jornal ‘A Segunda Crônica’:
 

Trago a pessoa amada de volta. Vivo ou morto. Tratar c/ Tenente Milton. Obs: Não aceito reclamações.

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Alugo casa c/ suíte de atos nababescos; garagem luxuriosa; sala de estar com ecos de risadas e uma cozinha manchada de sangue. Condomínio incluído.

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Sobrinho designer procura tio com empresa para ser usado como desculpa no caso de qualquer profissional com diploma aparecer.

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Problemas de foco? Fale com Douglas, tarólogo especialista em defesa pessoal, banho, tosa e passeio com seu pet. Já viajei para mais de 14 países e necessito voltar para casa.

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Salete decoração de interiores, exteriores e assuntos estrangeiros. Também realizo Harmonização facial em obras de Pablo Picasso. Faça um orçamento com compromisso.

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Compro carro quitado ou financiado que tenha sido palco de histórias amorosas.

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Alugo Status.

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Síndrome da escadaria nunca mais! Venha conhecer a Elevatus, manutenção em elevadores. - Agora com o novíssimo elevador com wi-fi, pois sua briga não pode parar.

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Ensino afeto e confiança: Pagamento adiantado.

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Precisa-se de desculpas sem experiência em orgulho.

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Colégio Minha Luta. Fascista a gente faz em casa – e solta na rua.

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Coroa! Mulherão. Cara de novinha. Mente de Ninfeta. Papo de adolescente. Precinho de alcatra.

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Quer ganhar dinheiro sem sair de casa? Pergunte-me como. Obs: Pagamento antecipado.

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Não leve desaforo para casa, traga para nós, aqui na Só Capangas! Não deixe para amanhã o que se pode resolver com pancadas.

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Troco perdão.

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Vendo perdão.

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Mato família e vou ao cinema. Família de pragas. Luciana dedetização. 

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Salada de Frutas do Belo. Peça já a sua! Frutas selecionadas, tiradas diretamente do pé. Do pé das pessoas no chão da feira.

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Precisa-se de assunto com experiência em casais.

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Julgo a pessoa amada em dois minutos. Tratar: Dona Rosa 501.


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Cid Brasil

domingo, 11 de agosto de 2013

O PAI PRÓDIGO



(Giorgio de Chirico)



Aqueles que mandam nos calar perante o William Bonner; os que bocejam nos passeios; os que cedem as tentações; os que usam apenas da força; os primeiros a saltarem do barco; aqueles que nunca estão em casa mesmo quando estão; os que não voltam quando precisamos – E quando voltam é porque precisam de nos; aqueles a quem um abraço é mais caro que um carro e um olhar mais dolorido que qualquer palavra...  São eles os representantes do lado falho e demasiadamente humano de nossas casas: O meu foi tudo isso. Tinha muitos amigos ele, mas só me lembro de um que foi até mais além nesses quesitos.


***


Ele chegou: Cara de menino ainda, cabelo na testa, camisa folgada e com uma criança no colo; sua esposa devia ter um ano menos que ele. “Esse é meu filho!”. Fiz aquele meneio de cabeça que fica ‘entre o não entendi e o espanto’. “É meu filho!”. Ele repetiu.

Dalvan tinha quinze anos quando me apresentou seu filho. Até ali, a coisa mais importante que eu tinha feito, havia sido uma atuar numa montagem teatral onde fazia de maneira canhestra um alcoólatra, um personagem torto e desiludido: Um pouco parecido com o pai que Dalvan teve. 


“Eu quero ser o pai que nunca tive.”, foi o que ele falou, quando perguntei como era tudo aquilo para ele. 

O meu, só me deu um abraço de verdade quando eu tinha a idade em que o Dalvan foi pai: Foi meu presente surpresa numa festa idem. O Dalvan, eu imagino que nunca recebeu um abraço de seu pai. O pai do Dalvan e o meu eram amigos. Só me lembro hoje do amigo de meu pai por causa do Dalvan.


Dia desses, eu reencontrei o menino Dalvan; estava com dezenove anos, já pertinho dos vinte. Não era mais o menino que vinha aqui na minha casa, ou adolescente desajeitado que me mostrou seu filho há quatro anos; talvez por isso eu não tenha reconhecido de imediato aquele moço de voz grossa que foi logo me dando um abraço igual o meu pai no meu aniversário. Perguntei logo pelo seu filho e sua esposa. “Em casa e bem”. Senti a satisfação quando lhe perguntei mais por eles, suas respostas foram mais sinceras que o seu abraço.


É pelo Dalvan que acredito que a geração ‘noventa’ irá pelo menos render pais melhores do que os que tivemos. Pelo menos.


Não escolhemos os nossos e também, creio que não trocaríamos. Hoje, se não fosse os quinze anos de gritos e tapas até Dalvan ter um filho, quem sabe ele não seria capaz de ainda lamentar que o seu pai não tenha conhecido o seu neto.  E eu, se não fossem um pouco dos erros e arrependimentos do seu Donatilio Soares Martins, é possível que eu não estivesse aqui escrevendo e lembrando todas as vezes em que sonhei com aquele abraço.


Não recordo quem falou que quando se é pai, se perde até o direito de morrer. O meu, infelizmente desrespeitou até essa máxima. No entanto não é com mágoas que me lembro dele, mas sim com saudades.

Cid Brasil

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A GRANDE FESTA



 
(Brandt Kensington)

Ainda havia muita cerveja gelada, para pouca gente sóbria. Todas as tias levaram seus salgadinhos. Os que passaram o dia em jejum saíram satisfeitos. Os chatos se contentaram. Penetras tinham convites. A única briga foi para cumprimentar os noivos mais de uma vez. Falar mal só se fosse por que tinha acabado. 

Dali já se saia lamentando que outra daquela nunca mais. A festa impossível existiu!

‘Como aquele casal pobre poderia bancar uma festa de casamento daquele tamanho?’ - É o que hoje ousam falar os críticos. Foram cinco anos trabalhando, cinco anos de espera, cinco anos aplacando ansiedades – Suas e da esposa. Ela merecia, ele idem e os dois mais ainda. Comentam até hoje do impecável terno do noivo; do brilho do vestido de sua companheira; do tamanho do bolo (‘se é que não eram três!’ - contam); dos músicos que não se cansavam; da infinita quantidade de: Carne, cerveja e convidados.

Do patrão ao vira-lata, todos foram unânimes em desejar que a felicidade dos noivos fosse como aquela noite: Que nunca tivesse fim - O que realmente nunca aconteceu. 

Após a grande noite, Preto se mudou daquele bairro. Estava com isso feita a lenda: Dele, Dela e da festa. Hoje, o casal já caminha para as bodas de Rubi. O destino de muitos se escreveu naquela noite. Certos casais do bairro do Rio Novo começam sempre contando seus inícios com ‘foi no casamento do Preto... ’.

A casa do sogro foi o local, mas dizem que na verdade foi bairro inteiro o salão de festas. Ele fez valer os cinco anos empunhando bandejas, anotando pedidos e juntando gorjetas para realizar aquela festa superlativa. Em respeito a si mesmo, até os garçons da festa se divertiram – Se é que não foram todos padrinhos. Ninguém entendia bem por que fazer uma festa daquelas proporções: Eram as pessoas de lá muito humildes ou o noivo megalomaníaco? Ninguém quis desvendar tal mistério.

Até hoje tentam copiar em vão; até hoje as portas tem sobre o que fofocar e até hoje serve de auxilio pros desmemoriados: ‘Foi antes ou depois do casamento do Preto?’. – E o tal do até hoje foi para sempre.

As moças reprisam as impressões relatadas por suas mães em horas de tédio.

Os rapazes chutam latinhas dizendo: “Eu quero uma festa como a do Preto!”.

Os velhos se calaram para sempre, respeitando a máxima do padre.

AS festas de Jay Gatsby ficariam no chinelo perante aquela; Madame Bovary passaria outro romance correndo atrás de um vestido digno para aquele casamento; e ‘O Leopardo’ seria mais agitado com Alain Delon, Claudia Cardinale e Burt Lancaster filmados no casório do Preto.

Se perguntarem para o noivo, escutarão apenas como resposta ele dizer que aquilo não foi bem assim. Não é de falar muito sobre, o segredo pelo que contam é esperar o Preto passar, e dizer que ele é um bom sujeito, pois alguém irá sempre retrucar que ‘bom mesmo foi aquela festa... ’.

E foi assim que ouvi.

Cid Brasil