sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

SEI NÃO



(Hieronymus Bosch - "O Mágico")



Sei não... Talvez eu pare de criticar certas mazelas em mesas de bar ou de jantar. Sei não... Talvez esse país precise mesmo de BBB, copa do mundo, novela e do jornal nacional pra autorizar. Por quê? Sei não... Quem sabe meu finado papai estivesse certo numa coisa: Quinhentos e poucos anos não são nada, somos bebês. Sei não, mas se for a vida adulta que acabamos de adentrar, já estamos com uma baita saudade da adolescência – igual muitos de meus amigos de 25. 


Sei não, mas de artista de esquerda a intelectual de boutique reste não a sabedoria das páginas, dos velhos ou das crianças, mas sim o deslumbre por uma luz, um holofote ou um curtir. Sei não, ou sei lá, - Realmente eu não sei, nunca soube, mas não sei... - até o cinismo, coisa tão cara, artigo tão valioso, parece se corroer e se transformar em gastrites nervosas (até isso conseguiremos perder?). Sei não, mas ver tanta gente bo(b)a nesse Brasil preocupada com passeios de fim de semana de uma galera que só quer fazer igual ao que você faz caro pajé: Se divertir. Não dá muito alento. O pior é que vem mais, e pior.


Sei não, parece que no fundo é só isso mesmo que todo mundo quer. A grande polêmica da última semana, vai virar o estigma de uma nação, até as manifestações vindouras, imitações das imitações das de junho treze, cujo teor (não sei) só o título: Os rolezinhos da copa. O país da piada pronta somos nós. Trocar as palavras brasileiro e Brasil, por portugueses e Portugal, foi por simples vontade de agradar o ouvinte – ou seria telespectador? Sei não, mas eles sabem, sabem que falar mal desse lugar pega mal, vai ver que é isso. Ou não... Alguém deve saber, saber que a piada somos nos, ou você que me lê. Mas isso ainda não sabemos, e  imagino que só saberemos disso quando passar na televisão, em forma de historinha zona sul-copacabana-leblon com roteiros tão coerente e fieis quanto os da turma do pica-pau, esses programas caríssimo leitor a que dão o nome de novelas. – Por que digo, ou acredito nisso? Por que com tanta gente, inclusive aqueles que tanto batalharam por isso, só agora passaram a acreditar que dois homens podem não só se amar, como se beijarem. Um único alento, é que entendam que o recado também vale para duas mulheres; ou será preciso próximos capítulos, novos enredos e personagens?


Sei não. Só tenho medo quando o esse canal resolver mostrar em 2038 que já inventaram a roda; ou que dois homens também transam, criam filhos e pagam contas. Vai ser um susto danado nos sofás. – Mas até lá tem copa, eleições, olimpíadas, show do rei, arremedos de revoluções, outras histórias, outros rolês... Tudo é claro, numa telinha mais próxima de você.


Boa noite.


Plim, plim!

Cid Brasil

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

EU TE AMO



(Louis Draper)



Devo estar há mais ou menos, duas horas, com um e-mail para responder de um amigo. Ele acabou de separar. Seis meses foi o que durou seu casamento. Lá ele conta que mais caro do que a televisão comprada para embalar dias de tédio, é aquele carnê cheio de prestações chamado felicidade que ambos, ela e ele, terão de cancelar. Mas seu maior incomodo, é que no tempo em que conviveu com a esposa, a única vez em que ela disse que o amava, foi na última conversa dos dois. “Te amo, mas não dá mais...”. Foi o que ouviu como adeus. Me confidenciou que havia sinceridade em toda aquela frase.


Mesmo tendo minhas desconfianças com a velocidade que essa frase é disparada em alguns casos e casais, tenho certeza de que ela foi sincera. Por que quando verbalizamos muito que amamos alguém, falamos isso para si e para os outros, menos para o outro. Dizer eu te amo é dizer que ama dizer eu te amo. O maior eu te amo é o não dito, o não escrito e o não tatuado. O maior eu te amo é dito numa linguagem de libras através dos olhos, de um gesto ou mesmo de um silêncio. Demonstrar isso mais de uma vez ao longo do dia é mais difícil do que demonstrar isso ao longo de uma vida mais de uma vez. Sim, pode-se verbalizar, gritar ou espernear que se ama alguém, até por que há pessoas que carecem disso: De ouvir, de dizer... Mas sejamos francos e não fracos: Ouvir um eu te amo burocrata, dito por um funcionário da vida, é como beber aquelas xerox de suco de maracujá com pastel na rua e chamar aquilo de refeição.


O grande romântico de 14 anos chamado Alcides, Indiana Jones dos amores platônicos, vivia não só espalhando eu te amo por aí, em cartas e ouvidos, como achava que se mudava alguém por amor – mal sabia o rapaz que ‘mudar’ é o contrário de amar.


O escritor uruguaio Eduardo Galeano, percorrendo as ruas da América Latina – Esse continente onde mais se sofre do que se vive o amor – leu num muro no Chile a pichação: “Eu nos amo!”. Prefiro essa, creio que se fosse para espalhar esse pregão, melhor seria se assim, unificando essa instituição cada vez mais segregada chamada casal. Brás Cubas celebre persona do Machado de Assis disse que Marcela, sua namorada “o amou durante quinze meses e onze contos de réis!” – O próprio Machado também escreveu que “muitas vezes uma só hora é a representação de uma vida inteira”. A da minha vida seria agora, de frente para uma tela em branco; carente de boas palavras para meu amigo, ou bons conselhos – Coisa que sempre detestei: Ouvi-los e dá-los. Talvez por que sempre os seguia...


Creio que assim como repetimos amores, palavras e clichês, mais necessário ainda seja ter fé de que outros amores, palavras e clichês nos esperam. – Para o mal ou para o amor, ainda que de nos mesmos.
 
Cid Brasil

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ELA



 
(Edward Hopper)
 
Antes dela eu achava que os livros de poesia gastavam muito papel, entende? Aí ela me explicou que todo aquele espaço nas páginas eram os silêncios, o vácuo, o vazio que fica em quem está lendo, por causa da beleza, ou da melancolia, ou dos dois que no fundo são duas coisas tristes também, não é? Ela me ensinou também que nas noites com insônia, pensasse sempre numa mão segurando a minha, que fosse desenhando, imaginando cada detalhe, como se havia esmalte nas unhas, se era a direita, se era grande, branca, enfim... Uma mão. Tinha lido isso num livro da Clarice, acho que foi A Paixão Segundo G.H, nunca contei que a mão que a minha segurava nas noites a beira de um ataque nervoso, ou de poucas horas para o dia amanhecer era sempre a dela, são sempre aquela: Sem esmaltes, pequena e branca. O interessante que quando nos dormíamos juntos eu não segurava a mão, mas ela toda, embora nunca dormisse porque nunca consegui dormir ao lado de ninguém. Mas isso foi no começo, depois que casamos fui me acostumando. É agente se acostuma com tudo nessa vida, não é? Como? Você pensa em escrever um romance que começa com essa frase? Que bom... Ela lia muito, lia demais, lia até esses poemas ruins que os caras vendem na praia por um real, presos com um grampo enferrujado por causa da maresia, fazia isso por respeito àquela alma errante e bela, bela só porque fazia algo que muitos sequer tentavam, só porque simplesmente se sentavam para fazer algo pelos outros, dizia... Foi ela quem me incentivou a escrever, disse que eu tinha algo chamado alma, sensibilidade... Mas eu só gosto de escrever letras de músicas, sabe? E também não gosto de ler romances por que depois que ela se foi eu fico ansioso, achando que vou viver aquilo, ou pior, que de alguma forma já vivi... É, é o meu luto. Mas agora escrevo, há dois anos que escrevo para ela todas as noites, depois a transformo em personagens de minhas músicas, e ninguém nota, ás vezes nem eu noto quando apresento as letras para os amigos. Mas o pior é a cama vazia, aquilo é um oceano... Eita, falei demais, agora vou deixar você almoçar Cid, me desculpe, bom apetite!

Bernardo, eu transformei você em personagem de crônica, e até de meu romance, espero que não se importe... 

Só quando ele já está de costas é que digo isso.

Cid Brasil

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

NOTURNO



(Giorgio de Chirico)



Na minha rua, quer dizer, na rua onde moro, há três dias que circulava um cavalo acinzentado; ia até a esquina, voltava, ás vezes dava toda uma volta no quarteirão e anteontem estava parado na porta de uma padaria na esquina, quase como se esperasse raiar o dia como se ele próprio fosse um cliente... Em todos os três dias, manteve um fiel rigor em suas aparições noturnas. Tudo bem que não esperava ver as duas da madrugada, um cavalo trotando por aí... Mas já vi outros espécimes de menor ou maior carisma, com bem mais elegância em seu andar perdido. Nem mesmo aquela leve moleza, típica de seus pares este pobre animal possui. 


É um animal, não triste de se ver, mas triste em si.


Não posso deixar de admirar o flâneur equino do Pinheiro, - que por motivos o batizei de Noturno - com seu caminhar mole e de cabeça baixa, que ao mesmo tempo me deixa espantado ao constatar em minha memória que existem muitas pessoas que caminham iguais a cavalos. – Ou escrever isso é muita arrogância de minha parte? (E uma das regrinhas do bom cronista, é não emitir coices em seus escritos), creio que o mais correto é dizer que a tristeza é um sentimento que tem sua própria cadência. – E por que não dizer, seu charme?


Quixote experiente em todos os cantos, recantos e bodes desse modo de viver solo, e conhecedor de todas as manias, mumunhas e estados de la solitude, ouso afirmar que Noturno meu Rocinante flanador é a solidão em cavalo. Lembro de mim, caminhando há um tempo atrás por São Paulo, na época com planos de me mudar de lá, andando bêbado de uma fanta uva alcoólica batizada de vinho e de saudades: Da minha família, de uma antiga paixão, de meus hábitos juvenis e até dos amigos que tinha acabado de me despedir na esquina... Meu andar trôpego e ausente de sentido é o mesmo do espírito que habita Noturno. Conheci uma vez um cachorro chamado Jack, que seu estado depressivo me comove profundamente até hoje, assim como lembrar de seu gesto mais habitual era o de colocar a cabeça no colo de qualquer um que lhe desse atenção. Noturno e Jack, são parentes, assim como fomos irmãos naquela noite paulista, cuja foto alegre minha com dois amigos foi só o que sobrou daquela noite e daquelas pessoas... (Antes que alguém pense que moro longe da civilização, - Como às vezes até eu mesmo desconfio -, digo que o bairro do Farol não é dos mais selvagens, temos até posto de gasolina 24hs! – Este, outro palco de estátuas de saudade dentro de suas ‘conveniências’ entre garrafinhas de cerveja e sanduíches com aspecto cadavérico).


Nesta última madrugada, seu dono apareceu, deu uns beijinhos no ar, fez umas onomatopeias sonoras e levou Noturno com uma corda tão velha e tão cansada quanto os dois.



Cid Brasil