quinta-feira, 10 de abril de 2014

FOLHA SOLTA


(Brooke DiDonato)



De repente, anseio por um café com leite que me devolva alguma perspectiva de razão e simplicidade. Olho para o relógio. Já não dá tempo de nada – no fim nunca vai dar mesmo, filosofo porcamente para justificar o abandono dos compromissos. O lugar está cheio. Para justificar também a procura por um lugar onde me enfiar ao tropeçar na entrada, me escoro no balcão e mergulho na minha mochila.

Quando tínhamos quinze anos, época que nos conhecemos, ele disse que meu nome era de velho, de advogado, de avó... Sim, dizem que é em homenagem a meu avó... Só que nunca o conheci, respondi para ele. Quis saber por que nunca o conheci. Creio que foi com essa pergunta que ganhou minha amizade – para o seu azar. Se não sorri lá, sorrio aqui. Na verdade, o sorriso só me nasce ao achar no fundo da bolsa, uma folha amassada, de caderno. É uma carta abortada.

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Pois é amigo, não faço mais parte do teatro, saí e pensei em inventar algo solo ou fazer cursos, ou até mesmo fugir com o circo como disse uma vez aquele ator, ou fugir com uma mulher talvez, mas ao invés disso sentei a bunda numa cadeira como sempre faço em momentos de tristeza e... Dessa vez comecei a escrever. E escrevi, escrevi, escrevi e copiei romancistas que admiro e escrevi, escrevi... Dessa fornada nasce essa carta para você. Até isso percebi: Que eu lia mais romances do que dramaturgia; o teatro não perdeu nada, vai por mim. Meu novo sonho? Escrever um romance. Deve ser por que nunca vivi um de verdade, embora minha história passe longe de ser sobre um casal. Foi a melhor coisa que me aconteceu amigo – e que me está acontecendo! No mais, trabalhando com minha mãe, tentando encontrar prazer até no trânsito de Maceió, lendo toda a galera com mais talento e dedicação que eu e sonhado um bocado. Desculpa te alugar assim, do nada, falando um monte, só espero que essa carta não tenha chegado junto com um monte de contas e cobranças outras, mas é que ultimamente ando assim, verborrágico pra cacete. Vai ver que é por que me sinto menos travado, menos boneco, menos ator... Sei lá! Vai ver que no fundo não é nada disso, e é só felicidade em te escrever. Sempre me recordo da última vez que nos vimos, foi na sua despedida, lembra? Minhas pernas ainda doem todas as vezes que passo na frente do teu prédio sem elevador e me vejo carregando tuas tralhas, mas a dor passa quando com a nossa vontade sincera de só se divertir, mesmo ali. Também é difícil esquecer do teu olhar quando o meu celular ficou sem bateria impossibilitando nossa última (e a que seria única foto). Meu caro fique bem, mande noticias, nem que seja via sua assessoria de imprensa, hahahaha! Mas me fale de você. Se não der, não se preocupe o ingresso já tá pago com as lembranças. Abraços e saúde!

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Na janela do boteco, a moldura enquadra um bonito fim de tarde, um desses que anunciam que nada é impossível ou para sempre.


Cid Brasil