terça-feira, 9 de julho de 2013

POR BAIXO DA PORTA


(René Magritte)


Perguntaram-me desde quando eu escrevo: Antes das reticências de minhas respostas, penso que já fazia isso desde os seis anos de idade quando descobri o mal das saudades antecipadas: Foi no dia em que ganhei uma camisa da seleção com o numero oito nas costas, que de tão apertada eu sabia que ela não chegaria à gloriosa página sete de meus anos. Escrevo desde desse dia, aprendi que para se completar o circulo e atar as pontas soltas (para formar um oito) desses momentos é preciso coloca-los também no papel.

Eu escrevo porque não aprendi a rezar.


***


Ontem, telefonei para um alfarrábio de Minas Gerais para saber de uma encomenda que fiz pela internet e que ainda não havia recebido, a mãe da proprietária me atendeu: Dona Raquel, tem oitenta e dois anos e uma curiosidade de três; após me ajudar, nós emendamos um papo de dez minutos, ao saber de minha idade, me disse que os jovens deveriam aproveitar essa onda recente e fazerem também manifestações consigo mesmos: Exigindo-se um aumento de lirismo, de sonhos e desejos. - Dona Raquel também acha emergencial ter curiosidade em 2013. “Saberiam no mínimo o que fazer no vestibular”.

Gostaria muito que Dona Raquel fosse minha avó. A minha avó é um ano mais velha que Dona Raquel, e segundo minha avó duas coisas botaram essa geração a perder: Maconha e celular.


A filha da minha avó sempre teve uma atitude que só agora entendo: A cada arroubo de mudança meu, ela sempre doura as minhas pílulas, só hoje é que percebo: Fazia isso para que se tornasse mais amena as minhas caminhadas, ou mais frutífera e longa o meu retorno para Ítaca. Dos sofás dos anseios pode-se tudo e minha mãe sempre aumentava o volume dos meus desejos. Por um tempo eu fiz o contrário.


Aos poucos eu vou voltado a ser o rapaz de seis anos de idade que não olhava o cardápio. Se hoje não puder pagar, lavo os pratos e assim terei o gosto do que quis também em minhas mãos. Um dia eu falei, “eu quero um leão”. Todo mundo riu. É para esse menino que quero voltar a desejar leões, pois foi esse menino que me deu um caderno vermelho nesse ano e disse “desenhe aqui aquele leão”. Eu havia perdido aquele menino num supermercado de niilismos. Agradeço até a um deus que nem acredito por ter reencontrado o menino na seção de ‘papelaria e matériais para escritório’, entre cartolinas, canetas, tintas e cadernos com capas de cores quentes.


Digamos assim: Ontem eu queria um castelo, porque outros me diziam para se querer um castelo.


Hoje dentro desse quartinho trancado só quero papel e caneta, mais nada, pois neles construo e desmancho castelos, falo em leões e pessoas que talvez nem existam, visto a camisa oito da seleção novamente, santifico obsessões, levo a palavra que mais acho bonita para passear (Melancolia) e crio funerais de circo ou quase finais... Não interessa.  Hoje o meu sonho passa embaixo de qualquer porta.

Cid Brasil

Um comentário:

  1. Finalmente encontrei alguém que escreve do jeitinho mesmo que eu gosto de ler!
    Parabéns pelo texto! Amei!
    Quando eu crescer, quero ser mais ou menos assim.
    ;)
    Abraços!!

    www.emmylibra.blogspot.com

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