domingo, 14 de julho de 2013

CRÔNICA DE BOLO DE LEITE



(Guido Pigni)


Essa crônica deve ter o ritmo de clarinete do Benny Goodman em Good-bye. Ela deve ser lida também com uma sensação de domingo ao fim de tarde, mesmo que seja lida numa segunda de manhã ou numa quarta de angústias tolas.  Deve ter principalmente esse sentimento. 


Quero também que ela soe como e-mails atrasados para os amigos, ou como aquelas conversas dentro de ônibus com desconhecidos que nos fazem perder o destino. – Pois escrever para mim é isso: É levar os amigos juntos para dez anos atrás, ou estar com quem não conheço debaixo de um toldo numa cidade esquecida. 


Deve falar com um sabor distraído, como o bolo de leite da loja de conveniências próximo a minha casa. 


Eu digo que aquele bolo com café cura qualquer depressão. Talvez não queira chegar aí, também não é preciso ir comer o tal bolo de leite. Eu pretendo que essa crônica sirva como bolo de leite para cada um, mesmo que o bolo de leite de cada um seja encontrado numa covinha de alguma bochecha, num roçar de pernas entre lençóis, numa mensagem que apita no celular, numa cena dentro de algum filme de Truffaut ou entre Marcello Mastroianni e Anita Ekberg na Fontana di Trevi; em qualquer uma das 400 páginas de ‘Cem Anos de Solidão’, em alguns quilos a menos ou a mais, no cabelo que finalmente está comportado, na vitória do Flamengo sobre o Vasco – Ou vice e versa; no telefonema de meia hora, em oito horas de sono; no perdão finalmente aceito ou na desculpa pedida, na crônica escrita, no barulho de chuva que confunde os dias e as horas... Enfim, que cada um chame seu bolo de leite como quiser. Mas é esse sentimento que tenho a pretensão de atingir.


É um sentimento que Fernando Pessoa atingiu com a sua Tabacaria. – Desse quero apenas varrer a calçada.


Não quero pouco é verdade, mas quem escreve ou lê nunca quer: Quer de cara atenção (que já coisa demais), então apenas quero que essa crônica sirva de passeio e também bicicleta: Para os meus amigos, alguns amores e até um ou outro desafeto que desconheço.


Não espero que essa crônica mude a cabeça de ninguém, embora tenha mudado a minha. Até aqui eu detestava blogs por exemplo. Aqui, creio que todo mundo deveria ter um, e publicar regularmente; seria maravilhoso atravessar certas ruas com alguém querido ou viajar até Xapuri e descobrir se existe vida em Xapuri... Até as perseguições por aqueles a quem somos platonicamente apaixonados seria muito melhor.

Deve ter tudo isso nessa crônica-passeio que tanto falei... Se não tiver é porque ainda não consegui escreve-la. Gostaria muito que fosse uma crônica que nos fizesse pensar juntos leitor, ainda que por breves instantes de um gole de café, que existem momentos em que a vida não é tão triste.


Cid Brasil

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