domingo, 3 de novembro de 2013

SEXTA-FEIRA CRÔNICA


(Greg Eason)



Naquela sexta-feira, muita coisa acontecia no mundo: Líderes mundiais reunidos em São Petersburgo debatendo a crise econômica, os habitantes de Nashville ansiosos pelo show da cantora Cat Power, no Malauí tinham vendido o avião do presidente para alimentar os pobres e em Alagoas mais um caixa eletrônico tinha sido saqueado.

Isso no mundo.  Mas na loja ‘O Magnata dos Parafusos’, todos esses fatos não tinha o menor interesse para o balconista (e meu xará) Alcides. Ele ainda era ontem, e ontem todos os fatos que preenchiam os noticiários ainda não tinham acontecido. Ontem para o balconista Alcides, era a comemoração de um ano de casado, e essa noticia (como todas as outras) ele também não sabia. Ele não entendia como todos que conhecia conseguiam tocar a vida, postar fotos na internet, falar ao celular, almoçar, trabalhar... E sorrir já no dia seguinte quando respondia para seus conjugues se era o fim mesmo que queriam. 

Antes se hoje fosse uma segunda, murmurou Alcides. O fim de semana começava e uma batalha na cabeça dele se iniciava. Errou trocos, nomes e vendas. Brigou com o colega de balcão, logo um que quase não falava. Ninguém me pergunta nada, pensava. Disse dois bonitos palavrões para um cliente como se fosse para ela. Em seguida se acalmou ao imaginar que ela também deveria estar mandando xingamentos, possivelmente até com os mesmos termos.
Dá próxima vez me caso com alguém rico... Disse ele (e talvez até ela!).

Meio dia: Meio da angústia de se estar em pé sem estar: Ficou lá, depois foi para o vestiário da loja, deitado no banco de ferro que mal dava pra sentar. Olhando para cima e pensava: Então isso é o que sentia o Luiz do almoxarifado? Preferia muito mais o Luiz do almoxarifado cantando aquela música brega enquanto olhava o nada, do que seu melhor amigo que pagava prostitutas na tentativa de apagar a ex. (Só Alcides sabia que o tal sempre broxava). Alguém entrou no vestiário, palito nos dentes, cinto frouxo e sem fones de ouvido: Ouvia notícias. Todo mundo queria saber do mundo. Saiu do vestiário, não pelo que seus olhos sentiam e mais pelo que não dizia. Do orelhão discou o único número que sabia de cor: O dela. Deu ocupado. Agora seria sempre assim, nunca mais poder sentir ciúmes quando isso ocorresse, pensava.

Pensou em tirar uma foto sua e daqui a um ano diria que aquela era sua expressão quando sofria. Talvez até rissem, como agora riam os da oficina, como agora ria o próprio Luiz, o tal do almoxarifado. Nem foto e nem para quem mostrar a foto daqui a trezentos e sessenta e cinco dias, pensou. Entrou na sala de espera da loja, na televisão reprisavam tudo aquilo que Alcides já sabia menos o que Alcides sentia. O ar-condicionado daquela salinha ajudava a pensar melhor, nela só havia Alcides e um rapaz escrevendo. O moço disse que escrevia uma crônica, Alcides perguntou o que eram crônicas. São textos sobre coisas pequenas, respondeu o da caneta. 

Então escute só, disse o meu xará.


Cid Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário