domingo, 28 de abril de 2013

DOMINGO É SENTIMENTO


Orchestra (E.Hopper)


É domingo. 

E domingo é café com leite requentado ao meio dia. Domingo é o único dia com cheiro e gosto. Domingo tem personalidade. Domingo não é um dia na semana, é uma entidade, domingo tem metafisica. O domingo se apossa da gente, ele nos invade, com sua luz própria de eterna cinco horas... De um domingo. Despertamos nele com ressaca. Domingo é alma que se arrasta. Nesse dia viramos cabides dessa melancolia. Muita gente finge não sentir que hoje é domingo, de que jeito? Uns inventam praia, futebol, cerveja e churrasco, eles fingem, mas sabem, mas sentem. Assim como outros que respiram o domingo no ar gelado de salas de cinema ou shopping centers abarrotados. E tem aqueles que não existem no domingo, fingindo indiferença ou tédio e esses sabem muito bem, olhando o calendário e contando as horas que é domingo.

Domingo é dia de ver gente zonza, cambaleante, perdida dentro de carros, ônibus e metros, e também dentro de si, dentro do domingo adentro. Tem os que trabalham, mas esses também não escapam, seja pela demasia ou escassez, de animo ou de clientes, e escorrem devagar junto com os outros, junto todos. Cada um sente a melancolia em forma de dia como pode: Para o moleque é sinal de escola amanhã; pro pai separado é dia de visita e possível reconciliação; pra mãe solteira é de espera ou volta ao lar; pro novo casal de ontem é “agente se fala, se liga ou se esquece”. É jazz baixinho. Domingo é todo jazz. Domingo é uma eterna reprise de sensações. Seja da moça que lamenta os erros do sábado, da semana ou da vida inteira; ou do rapaz que bebe desesperadamente achando que está afogando toda a tristeza que o sétimo dia traz; ou do senhor que caminha como que tentando retroceder a esteira rolante que foi sua vida até aqui, até esse domingo. Sentimento: De roupa amassada, de fotografia encaixotada e de livro pela metade, e sentimento que essas coisas pela casa são nossas representações. Paulo Mendes Campos já sentenciou: “O amor acaba. Numa esquina... Num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio...” Até com ele o domingo acaba.

É dia de crônica existencialista, de jornal cheio e televisão desligada para evitar aqueles que transformam esse num calvário. Domingo é tênis leve ou sandália rasteira também. E também são primos e cunhados num eterno almoço insosso. É tédio para os jovens casais e obrigação para os velhos casais, ou vice-versa; o domingo é filme francês filmado em sépia. Domingo é silêncio. Domingo traz aparentemente um calmo desespero em todos, como o do rapaz trancado no apartamento tentando aprisionar o domingo, e mal sabe ele que domingo não é traduzível, pois domingo, é um sentimento.
Cid Brasil

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