quinta-feira, 10 de março de 2016

UM ROMANCE PERIGOSO


(Robert Walser)



Naquela obrigatória estante de livros perigosos, merece um destaque, ainda que a palavra destaque aqui seja empregada com muita vergonha, o romance Jakob Von Gunten, do Suíço Robert Walser – escritor dono de uma biografia pessoal também mui peligrosa.

Jakob Von Gunten é o nome do protagonista desse romance em forma de diário suspenso onde são relatadas as suas experiências no Instituto Benjamenta, uma escola de mordomos; ou talvez seja melhor dizer uma anti-escola, já que dia após dia só o que fazem é ensinar seus alunos a não esperarem muito de coisa alguma:

“Aqui se aprende muito pouco, faltam professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja, seremos coisa muito pequena e secundária em nossa vida futura. As aulas a que assistimos visam sobretudo a inculcar-nos paciência e obediência, duas qualidades que ensejam pouco ou mesmo nenhum sucesso”.

O romance todo contém pequenas farpas em formas como está acima que também ferem a nós, reles mortais presunçosos; são agulhas que se caíssem nas mãos de qualquer simples estudante do ensino médio, ou de algum eterno universitário, resultaria no terror absoluto de pais (“quando se é jovem, um zero à esquerda é o que se deve ser, porque nada é mais pernicioso do que tornar-se alguma coisa muito cedo”) e mestres (“há muito tempo o mundo gira em torno do dinheiro e não da história”/ “não há nada que valha a pena almejar”).

E como sempre ocorre o contrário nesses casos, O Instituto Benjamenta de Robert Walser ajudou na formação de vários escritores como Elias Canetti, Enrique Vila-Matas e em especial um dos maiores, se não o maior, escritor (e aluno) do século XX: Franz Kafka. Certamente o Tcheco foi um excelente aluno invisível e repetente do instituto, principalmente quando lemos coisas como: “Só nas regiões inferiores é que consigo respirar”. Lemos e não acreditamos que Walser é o mestre de Kafka. Mas é.

Um livro perigoso que certamente foi um dos incendiados pelos bombeiros de Fahrenheit 451, de Ray Bradbury e proibido pelo Grande Irmão de 1984, de George Orwell.

Um livro que não estará nas bibliotecas mais próximas de você. O que muito deve agradar aos desejos de ocultação de seu autor (ao fim da vida Walser não só se dedicou a escrever microcontos como os fazia numa letra cada vez mais pequena), e apesar disso, peço a todos que sigam o conselho daquele outro resenhista: Comprem, aluguem, peçam-no emprestado, roubem-no; mas leiam!

Cid Brasil

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