quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

BUFÕES



 
(Velázquez)

Uma vez, na escola, pedi que um colega mais talentoso desenhasse um ar-condicionado numa cartolina de papel como protesto para o calor que aguentávamos diariamente no maldito terceiro ano. Ficou ensaiado que a piada fecharia seu ciclo quando o diretor fizesse sua visita a nossa sala e eu pediria a ele que fechasse a porta, pois havíamos finalmente conseguido um ar-condicionado. A cartolina foi posta ao lado do quadro negro e tudo saiu como planejado. Mas sinceramente não me lembro do resultado da brincadeira: Se funcionou, se fui suspenso ou qual a reação do diretor.

Gosto muito de debochar de gente grande. Ano passado mesmo, participei de um concurso literário aqui em Alagoas; um concurso financiado pela Imprensa Oficial do Estado. Mandei um romance sobre um ghost-writer contratado para escrever as memórias do nosso governador, mas que ao invés disso resolve ridicularizar e expor as falcatruas do excelentíssimo. No livro, meu personagem debocha dos artistas e das próprias políticas culturas e sociais de nossa província. Age quase como um bobo da corte. O romance se chamava: Se me matarem viro herói.

Falando neles, nos bobos, logo ali, no período bizantino, um pré-requisito importante para se candidatar ao cargo nas cortes europeias era que se possuísse algum defeito físico, como uma corcunda ou estrabismo. Os bufões eram os únicos que tinham direito a rir dos reis e da corte. Claro que às vezes (e imagino que muitas vezes) apanhavam horrores e se hoje não sabemos o nome de nenhum bobo importante, ao contrário dos reis – que ainda que en passant no colégio – são citados por nossos professores de história, é porque nenhum palhaço virou herói. 

Outro dado curioso que a crônica de nossos antepassados relata é que alguns candidatos mais desesperados se deformavam de propósito ou quebravam as costelas para caprichar no personagem e ganhar a simpatia do rei. Atualmente, nessa lenta idade média chamada século XXI, ouso dizer que a recessão chegou até no setor da comédia, ao unificaram reis e bufões num só. Ainda assim, há esperança no sorriso banguela diário da plebe, como por exemplo, no dia em que avistei o antigo governador do estado, Teotônio Vilela Filho, na livraria de um shopping folheando uma biografia do cantor Michael Jackson. Vilela ficou longos minutos olhando uma foto que retratava as transformações pelas quais Michael Jackson passou. Uma senhora ao meu lado, apreciando a mesma cena, comentou: “Bem que nosso governador podia procurar o mesmo cirurgião plástico e ficar mais bonitinho, não é?”.

O meu finado romance começava com a seguinte frase: “O lugar mais seguro para se viver em Alagoas é dentro de um livro”. No concurso, fui esnobado olimpicamente. Se ganhasse e meu romance fosse publicado sob a tutela do próprio estado, certamente a piada se completaria e o diretor, ou o governador, entraria na sala eu lhe pediria que fechasse a porta da classe para que não nos escapasse o ar – ou o riso.

Cid Brasil

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