domingo, 4 de agosto de 2013

BICHO ESQUISITO


(Aslhey Mackenzie)



“Próximo!”

Ela fala isso sem perceber que sou agora a última pessoa na loja quase fechada. De último cliente a seu confidente em dois passos: “Bicho esquisito o ser humano”. Pergunto o porquê para a senhora (que esqueci de perguntar se era dona ou gerente); ela conta da penúltima cliente do dia, que ouvi destratando-a. “Bicho esquisito o ser humano... Perdi um netinho está madrugada; minha nora precisou abortar por causa de umas complicações aí... Mesmo assim, sem dormir vim aqui no shopping, abri a loja no horário, já estou fechando e não destratei ou desrespeitei cliente ou funcionário...”.

“Me sinto estranha... Parece que nem vim trabalhar”.

Não sei o que dizer; ela vai invertendo uma situação em que eu me julgava mestre: Desabafar com desconhecidos. No entanto, faço o que melhor sei fazer mesmo ás nove da noite: Escutar.

“Somos esquisitos, acordamos de madrugada preocupados com ninharias. Com tolices que não se resolvem às três da manhã ou numa segunda. Se estamos solteiros, falamos em solidão; se temos alguém, nunca é a pessoa certa; se estamos trabalhando é no pior lugar; se estamos desempregados não dormimos.” Entrego o dinheiro para ela assentido suas palavras. Depois digo não para o ‘cpf na nota?’. “Tenho uma funcionária aqui da loja, que se angustia por causa do facebook, acredita?”.

Digo para ela, que muitos acreditam em escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore com metáforas de uma vida completa. E concordamos que não existe vida completa para o bicho que ambos achamos esquisitos. 

“A árvore não é o mais fácil? Mesmo assim agente só quer começar pelo livro, não é?”. Quando ela me entrega a sacola partilhamos no olhar e no gesto, a ironia de travar tal diálogo num shopping. Somos assim. – É o que digo erguendo a sacola. “O meu neto não vai se angustiar com coisas que apenas na velhice ele chamaria de bobagem. Ele pulou essa etapa.”.

“Minha sogra tem Alzheimer; dorme bem que é uma beleza, e tem dias que chego em casa e a invejo profundamente. Hoje não vai ser assim.” Se chamaria Juan, o menino que essa noite sua bisavó irá esquecer. “O pior de tudo, é que eu não sei o que dizer para o meu filho e minha nora, são tão jovens... e isso é o que mais me doí”. 

Eu também não sei o que dizer para ela. Tenho vontade falar que essa noite eu não mexerei no romance que estou tentando escrever.
Mas me despeço lhe desejando coisas bonitas e clichês. 

“Apareça!”.

Ao passar pela porta me vejo agora, horas depois, tentando olhar com mais alivio para vazio enquanto escrevo essas linhas.


Cid Brasil

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