(Herbert List) |
Caro rapaz da bicicleta.
Você fez bem em me
esculhambar está noite. Eu mereci. Fui covarde. Sinceramente eu não ouvi as
palavras que me gritasse, pelo seu tom deve ter sido um bonito xingamento. Vi
ainda teu braço levantado e você quase caindo. A moça que cantava no rádio não
me permitiu te ouvir. Perdão meu rapaz por aquela buzinada idiota que te proferi.
Já tinha um mundo contra ti: A bicicleta, a sacola cheia que carregava como um
filho, outros carros, os buracos. E a Chuva.
Chovia em cima de você e em
cima do carro vermelho. Sim - Quanta covardia. Tens razão! E daí que você
estava quase no meio da pista? Sim, havia carros no acostamento, era o teu
bairro aquele - além da lama e da chuva. Vi que outros motoristas te passaram e
até a esquina não escutei nenhum deles te buzinar, assim como passei por outros
ciclistas em silêncio: Eles e eu. Meu amigo (me permita chama-lo assim) parece
que eu te buzinei para que saísses da frente - mentira! Naquele gesto, não era
o carro que gritava, mas o motorista. Naquela buzina foram juntos o meu dia
inteiro, o sono ruim, uma moça, algumas faltas, ausências, essa cidade, os
sábios tolos dessa cidade, esse país... Sei que não é justo descarregar uma ira
mesquinha pequeno-burguesa em cima de você meu rapaz. Eu sei, e fiz. Me perdoe.
Já estive na sua pele e na sua bicicleta também, e recebi iras buzinadas. –
Tento entender todos os dias: Xingando-os de volta. E espero de coração que no
teu grito também tenha te saído umas quantas: Injustiças de teu patrão, teu
parco salário, teu time, teu vizinho, teu cunhado, a mulher do teu vizinho,
aquela sacola pesada, a tua sogra que te fez carregar aquela sacola pesada, a
chuva, os buracos, eu e outros imbecis.
Faço minha tuas palavras e
quero que faça tua a minha buzinada.
Nos irmanamos naquela rua
escura e esburacada; ao contrário de mim, espero que tenha se livrado daquele
fardo, ido para casa em paz e segurança; no caminho tenha tomado uma cachaça e
se sentindo aliviado; ao chegar em casa, que tenha abraçado teu filho (o amado
filho!), no jantar contado a tua esposa do nosso incidente: ‘Uns cabras tão
novo e aperriado, meu Deus!’; tenha ido assistir teu jornal ou tua novela e no
fim dessa sexta tenha se brindado no amor com tua esposa (a amada esposa!), e
que após tudo isso se escureça dizendo baixinho que a vida e boa.
Se tivesse aqui um vinho ou
cachaça te faria um brinde. Também não há ninguém aqui para eu contar sobre
você; Se soubesse rezar, rezaria por ti agora. Nesta casa tenho apenas água, silêncio e
estas letras. Portanto:
Seja feliz!
Cid Brasil