sexta-feira, 17 de maio de 2013

O RAPAZ DA BICICLETA


(Herbert List)


Caro rapaz da bicicleta.

Você fez bem em me esculhambar está noite. Eu mereci. Fui covarde. Sinceramente eu não ouvi as palavras que me gritasse, pelo seu tom deve ter sido um bonito xingamento. Vi ainda teu braço levantado e você quase caindo. A moça que cantava no rádio não me permitiu te ouvir. Perdão meu rapaz por aquela buzinada idiota que te proferi. Já tinha um mundo contra ti: A bicicleta, a sacola cheia que carregava como um filho, outros carros, os buracos. E a Chuva.

Chovia em cima de você e em cima do carro vermelho. Sim - Quanta covardia. Tens razão! E daí que você estava quase no meio da pista? Sim, havia carros no acostamento, era o teu bairro aquele - além da lama e da chuva. Vi que outros motoristas te passaram e até a esquina não escutei nenhum deles te buzinar, assim como passei por outros ciclistas em silêncio: Eles e eu. Meu amigo (me permita chama-lo assim) parece que eu te buzinei para que saísses da frente - mentira! Naquele gesto, não era o carro que gritava, mas o motorista. Naquela buzina foram juntos o meu dia inteiro, o sono ruim, uma moça, algumas faltas, ausências, essa cidade, os sábios tolos dessa cidade, esse país... Sei que não é justo descarregar uma ira mesquinha pequeno-burguesa em cima de você meu rapaz. Eu sei, e fiz. Me perdoe. Já estive na sua pele e na sua bicicleta também, e recebi iras buzinadas. – Tento entender todos os dias: Xingando-os de volta. E espero de coração que no teu grito também tenha te saído umas quantas: Injustiças de teu patrão, teu parco salário, teu time, teu vizinho, teu cunhado, a mulher do teu vizinho, aquela sacola pesada, a tua sogra que te fez carregar aquela sacola pesada, a chuva, os buracos, eu e outros imbecis. 

Faço minha tuas palavras e quero que faça tua a minha buzinada.

Nos irmanamos naquela rua escura e esburacada; ao contrário de mim, espero que tenha se livrado daquele fardo, ido para casa em paz e segurança; no caminho tenha tomado uma cachaça e se sentindo aliviado; ao chegar em casa, que tenha abraçado teu filho (o amado filho!), no jantar contado a tua esposa do nosso incidente: ‘Uns cabras tão novo e aperriado, meu Deus!’; tenha ido assistir teu jornal ou tua novela e no fim dessa sexta tenha se brindado no amor com tua esposa (a amada esposa!), e que após tudo isso se escureça dizendo baixinho que a vida e boa.

Se tivesse aqui um vinho ou cachaça te faria um brinde. Também não há ninguém aqui para eu contar sobre você; Se soubesse rezar, rezaria por ti agora. Nesta casa tenho apenas água, silêncio e estas letras. Portanto:

Seja feliz!
Cid Brasil