Paul Devaux |
- Meu senhor, me permita
explicar por que não apareci no dia de ontem:
É que perto de dormir, naquela
hora da meia luz do abajur, vi uma imagem que me traduziu tão bem, que fiquei
me perguntando se isso não era uma instalação d’algum artista de vanguarda fazendo
leituras minhas. Depois, me permiti ir até as onze sonhando com valsas em beira
de estrada, e ainda dormitando no calor do meio dia, bolar planos de fuga ou
maneiras mil de rasgar a coleira que me forças a vestir. Ontem meu caro, eu nem
nasci! Essa farda que queres sempre que eu vista no rosto em forma de lua e com
dentes desenhados, pardon compadrito, eu a perdi! Mas é que na manhã que não
amanheci, escrevi na porta do quarto: HOJE NADA! Por favor, entenda que
ontem, só ontem, e ontem apenas (que torço para ser amanhã também)... Bom,
ontem como vinha falando: Permiti-me curar umas ansiedades dentro de mim com
biscoitos de chocolates, garrafas de vinho, alguns comprimidos, gozadas
atravancadas e letras acavaladas (como tanto queres me impedir) – Ó: Fiz tudo
isso de uma vez, viu? Depois de novo, de novo e mais uma vez (assim como questo dia que quero reprisar). Olha meu
amor, apertei aquela mão cheia de graxa do mendigo da esquina e depois fui
almoçar – Ás cinco da tarde. Afinal, ontem, nem era tu Brutus, que existiu! Não
tinhas tu/você/vós nesta terça. Não tinhas vossa excelência para fingir não me
ouvir, para fingir sorrisos e nem escutar eu mentir que ‘está tudo bem!’ - Como
sempre, como todos os dias. É... Eu fiz tudo que não podia fazer doutor! E não
me arrependo, meu irmão – Começo a me arrepender agora ao te contar tudo isso,
chefe. Olha, nem adianta usar os teus recursos em forma de frases feitas: Tô
despedido! Suspenso por trinta dias! Passe no RH! Tá acabado! Tá terminado tudo
entre agente! Vá para casa e não me telefone mais! Está suspenso! Vá dormir!–
Já conheço todas as tuas palavras de ordem, mamãe. Teus blá,blá, blás que até o
Cebolinha diz com mais vida meu papai. Já sei também os figurinos com que te
disfarça em minha vida. Desliguei sim o celular, a televisão, campainhas, sinetas
e computadores; fechei jornais, janelas e portas (estas comigo para o lado de
fora!) – Sim, como desconfias sempre, não adoeci ontem, foi simbolicamente para
você não me achar e naqueles vãos sem ti, eu buscar as carcaças do que já fui
ou sou, e buscar minha caixa preta de menino inconsequente de outrora, não vou
te dizer se achei ou a extraviei - Isso você não pode saber meu governador. Faça
essa cara de desconfiança mesmo, pois agora que aprendi, meu desejo é refazer
aqueles passos de títere desengonçado novamente. Pois é, muito bom você não
existir mais, meu patrão, minhas esposa/namorada, deus, carcereiro, colega-companheiro
de trabalho, minhas obrigações, meus desejos, vícios ou seja lá qual for o
crachá que usas em tua firma batizada de rotina. – Está que inconsequentemente
me demiti!
Embora hoje meu compadre,
esteja eu aqui.
Cid Brasil
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