quinta-feira, 2 de maio de 2013

O BOM JOÃO






Era minha casa. Hoje é os fundos de um deposito de construção. O antigo sitiozinho sem nome, hoje é um lugar de nome pomposo – Sem árvores, sem cachorro e sem pés de pitanga. É triste que aquele lugar palco de delírios de uma criança seja hoje atravessado por caminhões, carroças e blocos. Triste para mim, e a alegre para o novo proprietário. Aquele terreno sempre foi felicidade de um só; de dois solitários: O menino ontem e esse homem de hoje. 

O meu passado ali não significa nada para ele e o presente dele ali não tem valor nenhum para mim. Não há troca, não há sintonia entre nos dois, ele que já era adulto quando eu habitava, nunca foi lá jogar futebol comigo, como vingança nunca comprei uma caixa de fósforos em sua loja. Mantemos essa guerra fria unilateral. Há uma imensa vitrine expondo as “ofertas da casa”, vejo meu reflexo triste pelo vidro que ostenta capacetes de operários, luvas, um carrinho de mão, colheres de pedreiro, pregos e parafusos de todos os tamanhos – que fariam a alegria da Macabéa de Clarice. - E escondido, entre telhas de alumio vejo um ancinho... Que só muito tempo depois, é que vim descobrir que o “galfo de barrer”, tinha esse nome tão bobo e sem graça. A imagem do “galfo” me traz também o seu guia, o nosso caseiro, zelador e meu amigo – Funções essas exercidas creio que naquele bairro inteiro.

E me pego com uma saudade imensa do João, pois ele sim representava uma parte de mim, de outros e daquele lugar. Todas as noites de ano novo, ele começava cedinho a ir à casa dos amigos deixar um feliz ano novo, pois todos eram seus “cumpades”, e não era raro sempre o João virar o ano na festa de alguém ou no meio do caminho, mas não importava aquele bairro era a sua casa. Era contagiante o bom João. Jogar futebol com ele era um ato de democracia, todos eram convidados, ele conseguia parar o universo de todo mundo, não importava se fosse o pedreiro de volta para casa ou o morador que reclamava do nosso barulho, juntava o maloqueiro com o policial da vizinhança na mesma linha, e todo mundo queria jogar no nosso time, no time do João. E mesmo quando a bola furava ou não vinha, ninguém ia embora, só quando o João fosse é que era a hora ir. E se o João não vinha ninguém ia, e a rua ficava mais triste. Aquela antiga Rua Carlos Buarque, devia ser hoje Rua do João. Talvez por isso, quando o João nos deixou, deixou todo mundo, e todo mundo se mudou dali. Da Rua João.

João Sebastião da Silva era o nome que tinha na certidão do homem que levou nossa domestica, que não sabia trabalhar no domingo, que me chamava de Li por causa do Bruce Lee, tinha como primeira “visage” da infância uma plantação de cana; ele não deixou filhos, não sabia ler (segundo ele “só conhecia a letra ‘Ó’ por que sentava em cima de um”) apenas plantou algumas árvores – que o empresário de hoje as derrubou; ele que antes de ir tomar seu último banho perguntou o que seria dela, da sua esposa. Ele que deixou aquele sitio, antes de sua venda, talvez por não suportar ver a sua morte daquele lugar onde ele voltou a ser o menino que não pode. Na vitrine de parafernálias, tem um adesivo: “Aqui tem de tudo”, e me retiro dali com a certeza que não fazem mais Joãos como antigamente.

Aos dez anos, achava orgulho uma palavra muito feia, mas é o que sinto ao ter conhecido o João.

Cid Brasil

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