(E.Hopper) |
É
sábado. Desligo o celular, dispenso as companhias e possíveis festas da noite
para como diz o querido Fernando Sabino ‘puxar uma angustiazinha’. E consigo. Penso
que minha pobre noite solitária será um sucesso, estou tranquilo, e o álcool já
alivia meus pensamentos e anestesia minhas dúvidas.
- Garçom! Me
empresta uma caneta, por favor!
E me
pego em companhia de guardanapos, escrevendo uma carta de perdão a uma moça que
nunca enviarei. De repente, percebo que todos os garçons do bar estão com olhos
voltados para mim, me sinto uma pessoa admirada, um romântico! Talvez pensem de
mim um poeta... Quando me dou conta do ridículo da situação que é não perceber
que o local já está fechando, com cadeiras recolhidas e metade das luzes
apagadas.
- A conta! Sua
caneta... Obrigado!
E rasgo
os guardanapos com as mais terríveis desculpas e os mais belos xingamentos que
só os ébrios são capazes de proferir a suas amantes. Guardo os restos da
missiva no bolso. Já havia traído várias certezas aquela noite: A de que iria
beber apenas uma cerveja e não pensar naquela em que penso todos os dias. Chego
noutro bar, nesse nunca vim. Parece que todo mundo se conhece no local, ou será
que minha solidão é que começa a aumentar.
- Boa noite senhor, quer alguma coisa?
– Me pergunta um garçom com olhar
triste.
- Uma cerveja. E uma ficha de sinuca
de petisco.
O
garçom sorri, e ao trazer o pedido fica me olhando, talvez esperando outra
tirada espirituosa ou estranhando a minha solidão naquele lugar onde todo mundo
parece ter sido convidado. As poucas mesas são ocupadas por grupos de amigos e
casais. E a única saída e ir me agarrar a grande senhora vestida de verde,
conhecida como sinuca, e antes de me dirigir a ela, percebo que o garçom de
olhos tristes, ainda me encara e resolvo justificar minha solitude ali, (arruinando assim o meu sábado e os seguintes).
- Olha! Eu vim aqui hoje, por que meu
amigo adorava esse lugar!
- Como assim? – Pergunta o garçom.
- Meu amigo me convidava sempre, mas
eu nunca quis vir. Hoje estou aqui em homenagem a ele.
- Como assim? Ele viajou?
- Não. Ele... Morreu... Acabo de vir
do enterro.
E me
escapa essa... Essa frase que minha embriaguez julgou ser a mais sensata e
inteligente para por um ponto final aquele diálogo.
- Caramba! Espera. Era cliente? Como
era ele?
Penso
num tipo, que seja contraponto a mim, para minha vista e por estas plagas.
- Loiro, alto, cabelo claro, olhos
verdes...
- Hum... Acho que sei quem é! Ele
vinha sempre com a namorada. – Seu
olhar parece agora mais triste.
Penso
que ele sacou a brincadeira, e está querendo agora reverter o jogo. Sorrio e
ganho de volta sua cara melancólica.
- Como é mesmo o nome dele?
- Jonatas! – Respondo de bate pronto.
- Ah! Sei agora quem é! Ele só queria
que eu o atendesse, me chamava sempre de xará.
–
E diz isso com uma cara de imenso espanto que me desconcerta. - Mas, morreu de que?
- Olha... Jonatas, não é? Eu acabo de
vir do enterro dele. Olha aqui, até li um discurso lá. – E puxo os restos da missiva no bolso. – Então, ainda tô meio abalado com tudo, e
gostaria de não falar muito sobre isso.
- Não, entendo. Tudo bem. Olha meus
pêsames. Qualquer coisa me chama, Jonatas, viu! – Diz ele arrasado, imaginando que esquecerei seu nome.
Desisto
da senhora de verde e sento numa mesa me escondendo atrás da cerveja e de
minhas culpas por ser um canalha, um pseudo-assassino; afinal, acabo de matar
um ótimo cliente, uma pessoa simpática ao pobre Jonatas, alguém que vinha e se
divertia aqui, que era camarada. ‘Será que dava gorjetas?’ ‘E se ele aparecer
aqui agora ou amanhã?’ No fim acho justo a minha culpa e meu ódio contra meu
senso de humor (horror?) e só encontro uma saída:
- Jonatas a conta!
E
devolvo as fichas da sinuca, deixo uma boa gorjeta quase como sinal de pêsames,
já que ele acaba de perder um cliente, uma xará... E devolve meu troco em
palavras de força e desejos para que eu volte numa hora de melhor astral. Nos
dias seguintes ainda tenho a situação na cabeça, não consigo deixar de imaginar
o constrangimento dos Jonata’s, o garçom e o morto vivo ao se encontrarem. E
todas as soluções que me aparecem são piores do que o problema, dizer que errei
de lugar ou errei de morto, quiçá o garçom que errou de cliente.
Enfim...
Por via
das dúvidas, na semana seguinte volto lá. Não tenho coragem de tocar no
assunto. Mantenho um acordo silencioso com o Jonatas vivo e colocamos uma
pedra no assunto, ele respeita o meu luto e eu tomei o lugar do finado como
cliente habitual e que deixa boas gorjetas. Só espero que ninguém me mate se eu
parar de ir lá.
Cid Brasil
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