quinta-feira, 30 de maio de 2013

ENTRE PARÊNTENSE



 
(M.C Escher)

(Abre parêntese)...Após o carnaval, Léo e eu nos gritamos a um metro de distância: ‘Ás duas? Ás duas! ’ – Na alcoólica certeza que não cumpriremos o acordo. Depois, já estou dentro de outra noite, subindo uma ladeira desconhecida, assim como o meu destino. Paro em frente a uma porta, não sei quem irá abri-la, mas sei que estou na porta da casa dela, a apreensão dos meus dedos refletem isso na campainha...

Agora estou te ouvindo dizer da minha total falta de orgulho, ou ‘orgulho zero’ como você disse lá, respondo que isto (orgulho) nunca me deu nada. – Com esse diálogo tenho consciência que ela aceitou o meu pedido finalmente. E uma sensação me invade lá dentro, dou um grito surdo: ‘Consegui! Eu consegui! ’. Alegria essa que me faz conversar sobre séries televisivas (que ela tanto gosta e eu detesto). – The Wire!  Que nós nunca vimos, e eu só falo nessa por que vi o Mário Vargas Llosa elogiando-a, e me parabenizo silenciosamente por ter ido pesquisar sobre essa série aqui fora, pois agora poso discorrer diletantemente sobre ela para ela. Parece interessada, me mostra depois uns pequenos livros em sua prateleira que não me recordo quais.

Muita parafernália. Coisas, muita coisa naquela casa.

Era um domingo. Não um domingo qualquer. Um domingo visitando-a. Aquele jardim era o meu lugar na terra.

De repente, no meio da conversa e de nos, o namorado dela chegou. Apareceu de chuteiras e sem camisa, me tratou com aspereza igual às travas da chuteira que calçava, me ironizou. Ela percebeu, os amigos dele chegaram e lotaram aquele jardim, haviam marcado um jogo naquele lugar. De repente ali não era mais o meu lugar. Bati em retirada – E lá ficou a moça com a mão no queixo segurando os pensamentos...

No caminho da volta da casa dela, pela madrugada não havia caminho, mas sim uma escadaria que parecia não ter fim. O caminho de volta daquele jardim era uma estreita e sinuosa escadaria de madeira. Não lembrava de escadas ou do edifício, lembrei que a chegada foi uma subida, apenas isso. Ao entrar numa das salas daquele lugar já estou em outro sonho... (Fecha parêntese)

***

Não fiquei com o gosto de frustração no despertar que todos os bons sonhos deixam. Naquele sonho não havia mocinhos ou vilões, lá eu não queria rapta-la ou beija-la. Eu queria aquilo mesmo, um parêntese dentro da realidade. Hoje não tem crônica ou ficção por aqui. Achem pouco ou não, mas hoje é só isso. É que hoje eu fui esse sonho o dia todinho. 

Nesta quinta feira de feriado morto, ganhei o dia no despertar: Talvez por que antes de dormir, eu tenha pensado que nunca mais sonhei com ela...

O outro sonho? Esse eu conto depois.
Boa noite.
Cid Brasil

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O CLIENTE MORTO




(E.Hopper)


É sábado. Desligo o celular, dispenso as companhias e possíveis festas da noite para como diz o querido Fernando Sabino ‘puxar uma angustiazinha’. E consigo. Penso que minha pobre noite solitária será um sucesso, estou tranquilo, e o álcool já alivia meus pensamentos e anestesia minhas dúvidas.


- Garçom! Me empresta uma caneta, por favor!


E me pego em companhia de guardanapos, escrevendo uma carta de perdão a uma moça que nunca enviarei. De repente, percebo que todos os garçons do bar estão com olhos voltados para mim, me sinto uma pessoa admirada, um romântico! Talvez pensem de mim um poeta... Quando me dou conta do ridículo da situação que é não perceber que o local já está fechando, com cadeiras recolhidas e metade das luzes apagadas.


- A conta! Sua caneta... Obrigado!


E rasgo os guardanapos com as mais terríveis desculpas e os mais belos xingamentos que só os ébrios são capazes de proferir a suas amantes. Guardo os restos da missiva no bolso. Já havia traído várias certezas aquela noite: A de que iria beber apenas uma cerveja e não pensar naquela em que penso todos os dias. Chego noutro bar, nesse nunca vim. Parece que todo mundo se conhece no local, ou será que minha solidão é que começa a aumentar.


- Boa noite senhor, quer alguma coisa? – Me pergunta um garçom com olhar triste.


- Uma cerveja. E uma ficha de sinuca de petisco.

O garçom sorri, e ao trazer o pedido fica me olhando, talvez esperando outra tirada espirituosa ou estranhando a minha solidão naquele lugar onde todo mundo parece ter sido convidado. As poucas mesas são ocupadas por grupos de amigos e casais. E a única saída e ir me agarrar a grande senhora vestida de verde, conhecida como sinuca, e antes de me dirigir a ela, percebo que o garçom de olhos tristes, ainda me encara e resolvo justificar minha solitude ali, (arruinando assim o meu sábado e os seguintes).


- Olha! Eu vim aqui hoje, por que meu amigo adorava esse lugar!


- Como assim? – Pergunta o garçom.


- Meu amigo me convidava sempre, mas eu nunca quis vir. Hoje estou aqui em homenagem a ele.


- Como assim? Ele viajou?


- Não. Ele... Morreu... Acabo de vir do enterro.

E me escapa essa... Essa frase que minha embriaguez julgou ser a mais sensata e inteligente para por um ponto final aquele diálogo.


- Caramba! Espera. Era cliente? Como era ele?

Penso num tipo, que seja contraponto a mim, para minha vista e por estas plagas.


- Loiro, alto, cabelo claro, olhos verdes...


- Hum... Acho que sei quem é! Ele vinha sempre com a namorada. – Seu olhar parece agora mais triste.

Penso que ele sacou a brincadeira, e está querendo agora reverter o jogo. Sorrio e ganho de volta sua cara melancólica.


- Como é mesmo o nome dele?


- Jonatas! – Respondo de bate pronto.


- Ah! Sei agora quem é! Ele só queria que eu o atendesse, me chamava sempre de xará.


– E diz isso com uma cara de imenso espanto que me desconcerta. - Mas, morreu de que?


- Olha... Jonatas, não é? Eu acabo de vir do enterro dele. Olha aqui, até li um discurso lá. – E puxo os restos da missiva no bolso. – Então, ainda tô meio abalado com tudo, e gostaria de não falar muito sobre isso.


- Não, entendo. Tudo bem. Olha meus pêsames. Qualquer coisa me chama, Jonatas, viu! – Diz ele arrasado, imaginando que esquecerei seu nome.


Desisto da senhora de verde e sento numa mesa me escondendo atrás da cerveja e de minhas culpas por ser um canalha, um pseudo-assassino; afinal, acabo de matar um ótimo cliente, uma pessoa simpática ao pobre Jonatas, alguém que vinha e se divertia aqui, que era camarada. ‘Será que dava gorjetas?’ ‘E se ele aparecer aqui agora ou amanhã?’ No fim acho justo a minha culpa e meu ódio contra meu senso de humor (horror?) e só encontro uma saída:


- Jonatas a conta!


E devolvo as fichas da sinuca, deixo uma boa gorjeta quase como sinal de pêsames, já que ele acaba de perder um cliente, uma xará... E devolve meu troco em palavras de força e desejos para que eu volte numa hora de melhor astral. Nos dias seguintes ainda tenho a situação na cabeça, não consigo deixar de imaginar o constrangimento dos Jonata’s, o garçom e o morto vivo ao se encontrarem. E todas as soluções que me aparecem são piores do que o problema, dizer que errei de lugar ou errei de morto, quiçá o garçom que errou de cliente.


Enfim...


Por via das dúvidas, na semana seguinte volto lá. Não tenho coragem de tocar no assunto. Mantenho um acordo silencioso com o Jonatas vivo e colocamos uma pedra no assunto, ele respeita o meu luto e eu tomei o lugar do finado como cliente habitual e que deixa boas gorjetas. Só espero que ninguém me mate se eu parar de ir lá.

Cid Brasil

terça-feira, 21 de maio de 2013

ATESTADO



Paul Devaux

- Meu senhor, me permita explicar por que não apareci no dia de ontem:

É que perto de dormir, naquela hora da meia luz do abajur, vi uma imagem que me traduziu tão bem, que fiquei me perguntando se isso não era uma instalação d’algum artista de vanguarda fazendo leituras minhas. Depois, me permiti ir até as onze sonhando com valsas em beira de estrada, e ainda dormitando no calor do meio dia, bolar planos de fuga ou maneiras mil de rasgar a coleira que me forças a vestir. Ontem meu caro, eu nem nasci! Essa farda que queres sempre que eu vista no rosto em forma de lua e com dentes desenhados, pardon compadrito, eu a perdi! Mas é que na manhã que não amanheci, escrevi na porta do quarto: HOJE NADA! Por favor, entenda que ontem, só ontem, e ontem apenas (que torço para ser amanhã também)... Bom, ontem como vinha falando: Permiti-me curar umas ansiedades dentro de mim com biscoitos de chocolates, garrafas de vinho, alguns comprimidos, gozadas atravancadas e letras acavaladas (como tanto queres me impedir) – Ó: Fiz tudo isso de uma vez, viu? Depois de novo, de novo e mais uma vez (assim como questo dia que quero reprisar). Olha meu amor, apertei aquela mão cheia de graxa do mendigo da esquina e depois fui almoçar – Ás cinco da tarde. Afinal, ontem, nem era tu Brutus, que existiu! Não tinhas tu/você/vós nesta terça. Não tinhas vossa excelência para fingir não me ouvir, para fingir sorrisos e nem escutar eu mentir que ‘está tudo bem!’ - Como sempre, como todos os dias. É... Eu fiz tudo que não podia fazer doutor! E não me arrependo, meu irmão – Começo a me arrepender agora ao te contar tudo isso, chefe. Olha, nem adianta usar os teus recursos em forma de frases feitas: Tô despedido! Suspenso por trinta dias! Passe no RH! Tá acabado! Tá terminado tudo entre agente! Vá para casa e não me telefone mais! Está suspenso! Vá dormir!– Já conheço todas as tuas palavras de ordem, mamãe. Teus blá,blá, blás que até o Cebolinha diz com mais vida meu papai. Já sei também os figurinos com que te disfarça em minha vida. Desliguei sim o celular, a televisão, campainhas, sinetas e computadores; fechei jornais, janelas e portas (estas comigo para o lado de fora!) – Sim, como desconfias sempre, não adoeci ontem, foi simbolicamente para você não me achar e naqueles vãos sem ti, eu buscar as carcaças do que já fui ou sou, e buscar minha caixa preta de menino inconsequente de outrora, não vou te dizer se achei ou a extraviei - Isso você não pode saber meu governador. Faça essa cara de desconfiança mesmo, pois agora que aprendi, meu desejo é refazer aqueles passos de títere desengonçado novamente. Pois é, muito bom você não existir mais, meu patrão, minhas esposa/namorada, deus, carcereiro, colega-companheiro de trabalho, minhas obrigações, meus desejos, vícios ou seja lá qual for o crachá que usas em tua firma batizada de rotina. – Está que inconsequentemente me demiti!

Embora hoje meu compadre, esteja eu aqui.

Cid Brasil

AMOR COM VOZ DE GATO FANHO




Oi? 

Por que você não foi me ver ontem no trabalho? Eu tava cansado, não te falei? Não lembro; você mente muito. O meu problema é que fraquejo ao contar a verdade... Maluquinho! E hoje vai me ver no trabalho? Eu vou viajar esta noite, esqueceu? É? Te falei ontem isso. Titubeante, mas falei. Aí (com voz de gato fanho) amoooor, foi mesmo, lembrei agora, oía! Que bom. E por que você não me ligou ontem?  Mas não nos vimos ontem? Sim, mas é que como você não foi me ver ontem no trabalho podia ter ligado, coisa alias que o senhor não faz nunca. Menina! Calma aí; nos conhecemos faz três dias e você já me fez mais cobranças que a minha mãe no ano passado. A proposito, ela é muito dominadora, isso é péssimo pra você amor. Você nem a conhece. Não, mas conheço bem as escorpianas. COMO VOCÊ SABE DISSO? Vi no perfil dela. E você já ME achou por lá? Claro.  

Nossa...

(...)

Ficou com raiva, foi? Não... Escuta, você não tá telefonando do restaurante da esquina, está? Como você sabe? Ouvi a voz do garçom. Do Bernardo? Isso! Já o conhece também? Aí (com voz de gato fanho) amoooor, foi uma coincidência. Ele já disse qual o prédio que moro, não é? Tô olhando para ele. Filhadaputa!!! Que foi amor? Bati o pé na quina do sofá (mentira).

(...)

Você tá estranho hoje. Sempre estou estranho, você é que tá percebendo melhor as coisas.  Amor, não coma tanta fritura, nem essa salada daqui e não beba tanto vinho, viu?

(Minha vida é um Bernardo aberto...). 

Olha, já estou ficando com medo. De que amoooor? Dos invasores de corpos... O que? Nada. Sozinho amor? Não a casa tá cheia, está todo mundo aqui. Mas tô vendo que as cortinas estão fechadas. É que o pessoal está rezando (morava sozinho). Vem pra cá. Tá, vou descer. Não desliga, vem falando comigo no caminho.  Não dá, vai cair a ligação quando eu entrar no elevador... (Desligo)

***
 
(Vibram três mensagens no celular do amor entre o amarrar dos cadarços, quatro xingamentos em Bernardo e a leitura do caderno de desculpas).

O amor sentia um arrependimento colossal pela conversa iniciada sexta naquele restaurante.


Cid Brasil