(Brecht Vandenbroucke) |
Lá fora soltam fogos, pouco me importa nessa noite, se time A ou B
ganhou ou foi campeão. É só uma coisa idiota chamada futebol; tudo bem: É algo
que melhora e torna mais amena a rotina de cada, tudo bem. Que festejem!
Estranhamente, nessa noite acabo de me lembrar da última vez que
fui a um circo. Falo de circo-circo, daqueles com lona furada, palco do
multi-homem: Que era bilheteiro, trapezista, pipoqueiro e piloto no globo da
morte; daquele espaço que nos deixava apreensivos não pelo atirador de facas,
mas sim por causa da arquibancada mal fincada no chão que balançava a cada ato,
provavelmente pregada pelo vizinho também desempregado ou por outros desocupados
que acompanhavam o Gurgel anunciando a chegada do “Mundo mágico do circo”. E
claro, o palhaço levemente alcoolizado.
Fui junto com o João, que era caseiro do sítio onde eu morava, e no
fim voltando para a casa, eu devia ter uns sete anos e o João parou no bar do
Pereira para tomar a última do dia, e para a surpresa de todas as crianças que
acompanhavam os pais, tios ou agregados nas ‘últimas do dia’, o palhaço do
circo estava lá na mesma missão. Obviamente sem maquiagem, sem peruca roxa e
sem o sapato número 55. Era um senhor, baixinho, de olhos fundos e pele
queimada. Parecia tímido, escorado no balcão olhando o copo vazio. Me lembro
que o João chegou no balcão e o palhaço à paisana perguntou se eu era filho
dele. “Não, esse é filho da minha patroa!”, disse o João segurando minha mão. O
homem, que ainda tinha um pouco de maquiagem perto do pescoço me olhou
demoradamente, deu um sorriso mais triste que sua figura e quis saber se eu
tinha gostado da apresentação, logo depois se apresentou só para nos dois como
Palhaço Gastrite.
João quis saber como era a vida no circo, quanto ele ganhava, se
fazia muito tempo que ele era palhaço... Não me lembro das respostas do Senhor
Gastrite, mas sim de sua expressão cansada e da sua mão direita que ia, vinha e
fazia desenhos no ar a cada frase, a outra mão, sempre no bolso da bermuda,
escondida. Do que ele disse, só recordo quando tocou no ombro do João
chamando-o de amigo e a mim de amiguinho e disse: “Haja o que houver meu
coleguinha, nunca desanime. Sorria!”.
Eu não iria escrever sobre isso; escritores de verdade dizem que na
verdade agente nunca escreve o que quer. Deve ser a mesma coisa com a vida,
agente nunca leva a vida que se quer. Pois no dia em que me lembrei do homem
que pediu para que eu mantivesse a alegria mesmo que a lona furasse, o carro quebrasse
ou ninguém aparecesse, estou profundamente triste. Igual a ele, naquele bar.
Igual talvez, aos torcedores do time derrotado no inicio dessa crônica.
Cid Brasil
Ui!
ResponderExcluirAgora eu sei que é teu.