(Capa do Livro: "Sabres e Utopias", de Mário Vargas Llosa) |
Pela primeira vez desde que batizaram aquela avenida com um nome de
coronel, as reclamações e buzinaços contra o carro ou o próximo não foram
ouvidas. Hoje a Avenida Fernandes Lima, em pleno meio dia estava em paz. Tudo por
que os protagonistas da cena, do chão e dos papos que muitos daqueles terão no
futuro, já não eram mais nada, apenas receptáculos daquelas frases soltas que
seriam depois repetidas em mesas de bares, comunidades, redes sociais e em
aplicativos de celulares.
“Mataram dois bandidos aqui em plena Fernandes Lima, amor!”, disse
um.
O clichê tomava conta da hora, das roupas, da cena e das frases;
não satisfeitos, outros reproduziam ainda frases feitas ouvidas por outros mais
abastados e melhor engravatados: “Bandido bom é bandido morto!”, “Só assim pra
acabar com a violência”, “Tem de voltar a ser na lei do Lampião!”, “o diálogo
da população tem de ser esse: Na bala!”.
Tudo isso e menos um pouco aconteceu hoje na Avenida Fernandes
Lima, e está acontecendo (e acontecerá em Maceió por muito tempo). Os do chão:
Antigos assaltantes e agora estatísticas tiveram azar, na linguagem dos vivos “a
sorte que mereciam”. Os que estavam em pé: Antigas vitimas e agora agressores,
se orgulhavam, sentiam-se protegidos e honrados. Para muitos daqueles o fim da
violência no estado estava começando.
***
Bem mais tarde, conversando com um garçom num restaurante, moço bem
menos engravatado, marcado e letrado do que os que aparentemente julgavam a
cena, disse que não entendia o porquê não só dos três tiros como também da
morte do outro, “não bastava rendê-lo?”, foi a frase mais sensata que ouvi hoje.
Lembrei na hora de Clarice Linspector, que numa entrevista se dizia chocada com
um crime contra um bandido chamado Mineirinho, onde ele tinha sido morto com
quatorze tiros, Clarice diz que qualquer que houvesse sido o crime de
Mineirinho, uma bala bastava, todas as outras já eram vontade de matar. Não
consigo encontrar definição melhor, não só para o crime que deve acontecer
nesse momento em que você e eu leitor sobrevivemos em nossas casas, mas sim
para a vontade tão inocentemente banhada pela ignorância das pessoas formando
aquele ringue na Avenida Fernandes Lima, em redor dos dois lutadores abatidos e
do pseudo-herói comemorando e sendo celebrado por aí. – às escondidas.
Não sei. Mas sendo alagoano, tendo vinte e cinco anos de
experiência nesse asfalto, duvido que alguma coisa possa mudar amanhã, depois
de amanhã ou até mesmo após aqueles corpos terem sido recolhidos. Nesse
instante, tenho de apelar para a ficção, para algo que romanceei – adoraria dizer
que inventei... – Que é uma frase do governador Leopoldo Vasconcelos, do meu
romance ‘Grão de Paris’, onde ele, após ouvir uma conversa numa festa entre
dois ‘cidadãos comuns’, comenta: “Depois dizem que o coronel sou eu...”
Cid Brasil
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