(Minoru Nomata) |
De minha janela avisto um homem
subindo uma torre de celular. Possivelmente funcionário de alguma operadora
dona daquele monumento fálico. Dona do homem que veste laranja. Este pixel é a
primeira pessoa que vejo hoje.
Está escalando, sobe devagar, parece
firme e cauteloso em sua jornada. De repente ele para.
Penso na crônica ‘Homem no mar’ do
Rubem Braga, em que ele avista de sua varanda um homem nadando e se solidariza
com a coragem e a solidão daquele ser no mar agitado. O homem que vejo daqui
não dá braçadas, não enfrenta o oceano, esse está agora parado, em comum com
esses dois apenas a manhã que os ilumina. O homem que vejo talvez fosse fazer
uma simples vistoria ou algum reparo naquela torre, um reparo que irá fazer com
que meu telefone toque está manhã - Avante meu rapaz!
Nada.
Quer dizer, parado. Ele continua
parado. Imagino que ele esteja admirado a vista daquele ponto, ou se esquecido
de uma misera chave de fenda e terá de voltar até o chão, deve pensar nisso, se
volta ou segue para tentar improvisar. Na ida a cozinha, como desculpa de um
copo d’água percebo que meu telefone funciona muitíssimo bem, e que o problema
de sua mudez era a bateria, o que parece ser também o problema do moço da
telefonia, pois não se mexe e segura firme na escada, deve ter cansado, pois ainda
permanece onde o deixei antes de ir verificar o telefone e água.
Mantenho o copo intacto ao meu lado,
em uma tola solidariedade a sede que deve sentir aquele homem naquela altura.
Está descendo agora, desce devagar,
cauteloso como se estivesse poupando suas forças ou pensando numa boa desculpa
para seu chefe ao chegar ao solo. Para novamente. Há uma nobreza insofismável
na derrota e nos que a assumem. Penso isso por ser alguém cheio de abandonos, por
isso simpatizo com este homem, e com algumas derrotas de outros. Não sei se os
meus sonhos e deveres abandonados podem servir de consolo ao este homem. Ele
poderá perder o emprego. Diferente do homem no mar, o homem da torre não
concluiu sua tarefa, não a enfrentou, não parece merecedor de glória. Este que
vejo fraquejou. Eu é que percebo sua grandeza disfarçada em sua figura miúda e
laranja. Ele volta a descer, mais devagar do que antes e agora sumiu devido ao
prédio da frente.
Tenho vontade de renunciar as
obrigações de hoje, desistir das tarefas mesquinhas e medíocres que tenho; como
o check-up médico e a fila de banco que me esperam. Tenho vontade de ir lá
saber do tal, se chegou bem. Dizer que na verdade nunca desistimos apenas
tomamos outros caminhos.
Ao final da outra crônica, o velho
Braga disse ter tido vontade de ir apertar a mão do seu nadador, daquele
‘correto irmão’. Também quero ir lá e fazer o mesmo por aquele que desce. Não
fui, preferi os compromissos perante a desistência, bebi o copo d’água ao invés
da sede, encarei o médico, a fila e o resto do dia, avistei outras pessoas. E
só agora, perto da meia noite, que me recordo dele com a torre apagada (quem
sabe ainda quebrada), é que posso dizer o que não disse aquele homem, fazer o
que não fiz.
Dizendo tudo daqui.
Cid
Brasil
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