sábado, 1 de junho de 2013

A CASA SILENCIOSA




(Fumie Sasabuchi)



Nesta casa cheia de vãos, só há espaços em branco. A ausência de ruídos é a única mobília desse lugar. Não há ponteiros andando nos relógios ou portas rangendo. Não há chuveiros se derramando, torneiras pingando ou ratos passeando. Não há se quer flores morrendo, pois todas aqui são de plástico.

Nesta casa simplesmente não há.

Seus habitantes hoje são as sombras de seus corredores. Os sorrisos desta casa estão sufocados em porta-retratos, o quadro da santa ceia onde todos os apóstolos parecem me encarar carrega silêncio. - Posso gritar, mas não faço. Sei que não estou surdo ou mudo, está que hábito é que por ora está; até sua campainha é calada, creio que ela não está quebrada, é apenas luto por estas 
horas. Luto em si mesma está a casa silenciosa.

O rádio e a tevê transmitem o eco que desse lugar: Nenhum.

Hoje as únicas coisas saudáveis nesta casa parecem ser justamente estes eletrodomésticos. As bananas estão pretas, as maçãs murchas e as bolachas estão todas mofadas. Não me lembro se me contaram ou se vi, mas ontem esta casa não era assim. Havia até respiração em seus quartos e soluços da geladeira, que agora é apenas pranto em suas bandejas, até os pingos que ela chora, choram assim...

Choram reticências neste lugar analfabeto.

Enfrento seus cômodos respeitando este lugar que parece fotografia: Nos quartos não ouso desmanchar as camas imaculadas, na cozinha não ouso quebrar um copo e na sala não ouso balançar as cortinas e muito menos abrir as janelas vedadas, pois aqui todos estes gestos iriam sujar esta casa tão limpa quanto calada. Também não ouso bater suas portas para comprovar que não fiquei louco, pois tenho medo que isso se confirme neste minuto parado. Aqui, o único gesto que ouso é o de puxar um livro de suas estantes, e ele é um espelho deste lugar: Páginas todas em branco: Todas ocas de sons ou de fúria, desmentindo a capa.

Evito o espelho que me fita hoje nesta casa. Evito, pois eu tenho medo do que eles podem dizer. É o único medo que tenho na casa silenciosa; ela é incrivelmente acolhedora em seu silêncio de morte, em seu luto branco, em sua vigília muda. Talvez ela esteja dormindo, cansada; cansada das cadeiras que por ela se arrastam, das luzes que a desnudam, da rachadura que a revela... Cansada de te esperar.

Cid Brasil

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