(Fumie Sasabuchi) |
Nesta casa cheia de vãos, só
há espaços em branco. A ausência de ruídos é a única mobília desse lugar. Não
há ponteiros andando nos relógios ou portas rangendo. Não há chuveiros se
derramando, torneiras pingando ou ratos passeando. Não há se quer flores
morrendo, pois todas aqui são de plástico.
Nesta casa simplesmente não
há.
Seus habitantes hoje são as
sombras de seus corredores. Os sorrisos desta casa estão sufocados em porta-retratos,
o quadro da santa ceia onde todos os apóstolos parecem me encarar carrega silêncio.
- Posso gritar, mas não faço. Sei que não estou surdo ou mudo, está que hábito
é que por ora está; até sua campainha é calada, creio que ela não está
quebrada, é apenas luto por estas
horas. Luto em si mesma está a casa
silenciosa.
O rádio e a tevê transmitem
o eco que desse lugar: Nenhum.
Hoje as únicas coisas saudáveis
nesta casa parecem ser justamente estes eletrodomésticos. As bananas estão
pretas, as maçãs murchas e as bolachas estão todas mofadas. Não me lembro se me
contaram ou se vi, mas ontem esta casa não era assim. Havia até respiração em
seus quartos e soluços da geladeira, que agora é apenas pranto em suas bandejas,
até os pingos que ela chora, choram assim...
Choram reticências neste
lugar analfabeto.
Enfrento seus cômodos respeitando
este lugar que parece fotografia: Nos quartos não ouso desmanchar as camas
imaculadas, na cozinha não ouso quebrar um copo e na sala não ouso balançar as
cortinas e muito menos abrir as janelas vedadas, pois aqui todos estes gestos
iriam sujar esta casa tão limpa quanto calada. Também não ouso bater suas
portas para comprovar que não fiquei louco, pois tenho medo que isso se
confirme neste minuto parado. Aqui, o único gesto que ouso é o de puxar um livro
de suas estantes, e ele é um espelho deste lugar: Páginas todas em branco: Todas
ocas de sons ou de fúria, desmentindo a capa.
Evito o espelho que me fita
hoje nesta casa. Evito, pois eu tenho medo do que eles podem dizer. É o único
medo que tenho na casa silenciosa; ela é incrivelmente acolhedora em seu
silêncio de morte, em seu luto branco, em sua vigília muda. Talvez ela esteja
dormindo, cansada; cansada das cadeiras que por ela se arrastam, das luzes que
a desnudam, da rachadura que a revela... Cansada de te esperar.
Cid Brasil
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