Antes dela eu achava que os
livros de poesia gastavam muito papel, entende? Aí ela me explicou que todo
aquele espaço nas páginas eram os silêncios, o vácuo, o vazio que fica em quem
está lendo, por causa da beleza, ou da melancolia, ou dos dois que no fundo são
duas coisas tristes também, não é? Ela me ensinou também que nas noites com insônia,
pensasse sempre numa mão segurando a minha, que fosse desenhando, imaginando
cada detalhe, como se havia esmalte nas unhas, se era a direita, se era grande,
branca, enfim... Uma mão. Tinha lido isso num livro da Clarice, acho que foi A Paixão
Segundo G.H, nunca contei que a mão que a minha segurava nas noites a beira de
um ataque nervoso, ou de poucas horas para o dia amanhecer era sempre a dela,
são sempre aquela: Sem esmaltes, pequena e branca. O interessante que quando
nos dormíamos juntos eu não segurava a mão, mas ela toda, embora nunca dormisse
porque nunca consegui dormir ao lado de ninguém. Mas isso foi no começo, depois
que casamos fui me acostumando. É agente se acostuma com tudo nessa vida, não
é? Como? Você pensa em escrever um romance que começa com essa frase? Que
bom... Ela lia muito, lia demais, lia até esses poemas ruins que os caras vendem
na praia por um real, presos com um grampo enferrujado por causa da maresia,
fazia isso por respeito àquela alma errante e bela, bela só porque fazia algo
que muitos sequer tentavam, só porque simplesmente se sentavam para fazer algo
pelos outros, dizia... Foi ela quem me incentivou a escrever, disse que eu
tinha algo chamado alma, sensibilidade... Mas eu só gosto de escrever letras de
músicas, sabe? E também não gosto de ler romances por que depois que ela se foi
eu fico ansioso, achando que vou viver aquilo, ou pior, que de alguma forma já
vivi... É, é o meu luto. Mas agora escrevo, há dois anos que escrevo para ela
todas as noites, depois a transformo em personagens de minhas músicas, e
ninguém nota, ás vezes nem eu noto quando apresento as letras para os amigos.
Mas o pior é a cama vazia, aquilo é um oceano... Eita, falei demais, agora vou
deixar você almoçar Cid, me desculpe, bom apetite!
Bernardo, eu transformei você
em personagem de crônica, e até de meu romance, espero que não se importe...
Só quando ele já está de costas é
que digo isso.
Cid Brasil
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