(Victor Ngai) |
Você lembra quando dizia que queria ter cinco filhos? Sim,
respondo, faz tempo não é? Nesse tempo eu ainda era filho. Ela sorri. Sorrimos
juntos. E de repente ela solta, com toda a doçura que a frase exige.
Saudades de você.
Saudades da gente! - É o que respondo.
Ao falar a frase acima, no mesmo instante já sinto que sentirei
saudades dessa conversa. Que quando chegar em casa irei aprisionar o momento
dentro de alguma crônica ou bilhete que no futuro...
Saudade seria um bonito nome para uma criança, ela volta dizendo.
Eu, bobo, só aceno a cabeça dizendo que sim. Eu gostaria de me
chamar Santiago. Quando criança, um dos meus cinco filhos seria Santiago. Hoje.
Gostaria de me chamar Saudade. E um dos meninos será Saudade.
Beijos no rosto. Apertos de mão. Olhares enciclopédicos.
Fico só. Sentando. Peço a conta dos expressos e dos dois chás.
Papel e caneta nas mãos. Por dentro, todo devastado e nas ruínas só uma faixa
branca balança, nela escrita em letras vermelhas e caixa alta a palavra:
Saudade.
No guardanapo escrevo:
Saudade é eternidade; saudade é posse. Saudade é eu te amo dito ao
contrário. E dizer que ama, é ter saudades. Mentira deslavada quem diz nunca
ter saudades, quem diz isso nega que viveu. Mas talvez eu não acredite
simplesmente por ser um memorialista precoce. Quando começo a enumerar as
minhas paro e percebo que todas elas juntas formam um tijolinho, depois uma
casa, depois um bairro, em seguida uma vizinhança e depois pessoas... Árvores,
carros, vitrines. E quando vejo essas saudades se transformam num lugar cheio
de gente, de rostos que nem sei os nomes e de um casal conversando. Presto
atenção até em quem nos vê, em gente que irei batizar, por que sempre batizo, com
essa palavra linda: Saudades.
Ela, de repente volta, diz que esqueceu a caneta. Era mesmo,
pertencia a ela isso também. Entrego, e fecho o guardanapo no bolso. Sigo
acompanhando-a até a porta, conversando mais, no bolso esmago o guardanapo na
ânsia de cravar nele, como meu suor o que vou ouvindo e principalmente o que
vou sentimento. É só aí que finalmente
ela se despede e se lembra (com saudades) dos planos que fazíamos quando
criança.
Cid Brasil
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