(Aslhey Mackenzie) |
“Próximo!”
Ela fala isso sem perceber
que sou agora a última pessoa na loja quase fechada. De último cliente a seu confidente
em dois passos: “Bicho esquisito o ser humano”. Pergunto o porquê para a
senhora (que esqueci de perguntar se era dona ou gerente); ela conta da
penúltima cliente do dia, que ouvi destratando-a. “Bicho esquisito o ser humano...
Perdi um netinho está madrugada; minha nora precisou abortar por causa de umas
complicações aí... Mesmo assim, sem dormir vim aqui no shopping, abri a loja no
horário, já estou fechando e não destratei ou desrespeitei cliente ou
funcionário...”.
“Me sinto estranha...
Parece que nem vim trabalhar”.
Não sei o que dizer; ela
vai invertendo uma situação em que eu me julgava mestre: Desabafar com
desconhecidos. No entanto, faço o que melhor sei fazer mesmo ás nove da noite:
Escutar.
“Somos esquisitos,
acordamos de madrugada preocupados com ninharias. Com tolices que não se
resolvem às três da manhã ou numa segunda. Se estamos solteiros, falamos em
solidão; se temos alguém, nunca é a pessoa certa; se estamos trabalhando é no
pior lugar; se estamos desempregados não dormimos.” Entrego o dinheiro para ela
assentido suas palavras. Depois digo não para o ‘cpf na nota?’. “Tenho uma
funcionária aqui da loja, que se angustia por causa do facebook, acredita?”.
Digo para ela, que muitos
acreditam em escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore com metáforas
de uma vida completa. E concordamos que não existe vida completa para o bicho
que ambos achamos esquisitos.
“A árvore não é o mais
fácil? Mesmo assim agente só quer começar pelo livro, não é?”. Quando ela me
entrega a sacola partilhamos no olhar e no gesto, a ironia de travar tal
diálogo num shopping. Somos assim. – É o que digo erguendo a sacola. “O meu
neto não vai se angustiar com coisas que apenas na velhice ele chamaria de
bobagem. Ele pulou essa etapa.”.
“Minha sogra tem Alzheimer;
dorme bem que é uma beleza, e tem dias que chego em casa e a invejo
profundamente. Hoje não vai ser assim.” Se chamaria Juan, o menino que essa
noite sua bisavó irá esquecer. “O pior de tudo, é que eu não sei o que dizer
para o meu filho e minha nora, são tão jovens... e isso é o que mais me doí”.
Eu também não sei o que
dizer para ela. Tenho vontade falar que essa noite eu não mexerei no romance
que estou tentando escrever.
Mas me despeço lhe desejando
coisas bonitas e clichês.
“Apareça!”.
Ao passar pela porta me
vejo agora, horas depois, tentando olhar com mais alivio para vazio enquanto
escrevo essas linhas.
Cid Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário