segunda-feira, 7 de março de 2016

MIRAGENS


(Edward Hopper)



Entro em ruas, cruzo avenidas e durante o dia o que me guia são os ipês, amarelos, violáceos ou vermelhos; contento-me com suas cores e a brevidade de suas vidas. Amanhã grudarão nos meus tênis e depois alguém varrerá aquelas calçadas coloridas, duram muito pouco, os ipês, o bastante para se chegar até a próxima esquina. Deviam era vender essas árvores em caixinhas, penso agora. Só de escrever sobres eles, me sinto calmo. 

Com as bibliotecas que vislumbro nas janelas, o que ocorre é o seguinte: Tento saber aquilo que escreveriam seus escritores se soubessem o que escreveriam se escrevessem, ou algo assim, como disse Marguerite Duras. Também os imagino como escritores muito anônimos, como párocos de uma igreja só deles. Rezando, lendo, sonhando coisas sob a batuta da famosa frase de Robert Walser, “de que quando dormimos é que estamos mais perto de deus”. Eu acrescentaria que é quando lemos que estamos mais perto de Kafka ou de Machado.

Sobre os Cafés, é bom simplesmente descansar ao som de um café com leite e uma água mineral; ao saber de um jazz ou da noticia de última hora na TV, que no fundo, nos interessa menos que a conta. Cafés cuja existência deve-se mais a ilusão do empresário inexperiente que o cometeu em ruelas esquecidas. Cafés ainda, acredito, obra de alguma lavagem de dinheiro, combustível tão comum em nossa cidade. Cafés vazios e de garçons despreparados. Cafés de criminosos para outros delinquentes. 

Cafés, livros e ipês. Anoto com muito cuidado os nomes dessas ruas e como cheguei até eles; anoto ainda os títulos que decifrei nas estantes dos outros; anoto o berço de tal ipê; anoto tudo simplesmente para no dia seguinte, ver que não passavam de simples miragens.

Cid Brasil

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