(Franco Matticchio) |
Sou um escritor acidental, disse-me ele pondo sua vasilha cheia de
comida na bolsa. Ao ouvir isso pedi que esperasse, antes, me parecia apenas um
louco limpo, um vagabundo barbeado e banhado. Perguntei então o que ele
escrevia. Não soube responder. Fui dizendo os gêneros e ele fisgou o que melhor
servia a seus escritos: Crônicas. Na verdade eram mais pensamentos de sua
cabeça confusa, artigos do nada para o nada, folhas preenchidas com batimentos cardíacos
de atleta. Tudo escrito numa letra apressada e típica de quem realmente
escreve. Das duas folhas que tentei ler, apenas duas palavras me ficaram:
Crimes e colarinho branco. Fui nesse caminho. E então se pôs a explicar que
tinha enviado aquele texto (o que eu tinha em mãos era um rascunho), em duas
vias, para o ministério público estadual, porque o proibiram, ou pelo menos
assim me garantiu, estar proibido de entrar em oito bibliotecas públicas de
Maceió.
-- E existe tudo isso de biblioteca nessa cidade? – Perguntei.
-- Ó, existem até mais! – Garantiu Carlos.
Por um momento esperei que ele as enumerasse feito um personagem (como
de fato é) do escritor Chileno Roberto Bolaño e dissesse: As bibliotecas invisíveis,
as que ainda não fomos e as bibliotecas fantasmas. Mas não.
Chama-se Carlos, o “escritor acidental” é Mineiro e não sei como
veio parar em Maceió. Após tê-lo conhecido, gosto de pensar que ele entrou em
algum portal numa biblioteca fantasma de Belo Horizonte, ao passar por obras
enfileiradas de Borges e Casares se viu nos corredores da Universidade Federal
de Alagoas, sem se importar de passar todos os dias ali, exceto claro, os
domingos, escrevendo e consultando gente cascuda como o Marx, Engels e Pascal. É
um tipo simpático, franzino e sorridente, deve ter uns cinquenta anos e não me
espantaria se figurasse no álbum de fotos de alguma criança com sotaque
engraçado, apontado nesse momento como Tio Carlos, que leu tanto e endoidou,
como gostam de dizer por aí.
Porém Carlos me disse não ter família e pareceu revoltado quando
perguntei isso. Também revelou que não costuma pedir comida duas vezes no mesmo
restaurante, para evitar que o envenenem. Quem? Os engravatados me disse. Na
segunda, e obviamente, última vez em que apareceu no restaurante que trabalho,
apertou minha mão e vi que seus dedos estavam azuis, com sangue de sua caneta e
de seus escritos. Produzi muito hoje, revelou-me contente. Quis saber mais:
Onde morava? No mundo, respondeu. No momento numa rua do bairro do Farol, na
porta de uma loja de informática. Antes de ir, fechou o rosto e me contou que
aquele não era um bom dia, pois tinha sido molestado. Também admitiu ter medo
da policia, pois onde dorme, na outra esquina circulam uns drogados e ele acha
que qualquer dia vão leva-lo como usuário de crack e lhe arranjar uma folha com
crimes dos quais nem em seus escritos ele irá cometer.
Está noite passei onde Carlos, o escrevinhador, disse morar. Não
havia ninguém. Se o deus em que acredito só protege as crianças, os bêbados e os
velhinhos com Alzheimer. Que proteja também os loucos do bem.
Cid Brasil
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