(Seyo Cizmic) |
1 – Todos tinham entre dezessete e dezoito anos. 2 – Estudávamos
juntos. 3 – Eu era o mais velho, tinha dezenove. 4 – Havia um professor que
dava aulas embriagado. 5 – Para nosso azar, era o de matemática. 6 –
Detestávamos matemática. 7 – Adorávamos o professor. 8 – Pelo menos a parcela
que não dava a mínima para o vestibular. 9 – Nessa época eu lia toda e qualquer
porcaria que me caísse nas mãos, e o da vez eram as memórias de uma prostituta.
10 – Roubei esse livro numa loja estranha do shopping que se dizia livraria. 11
– Li em dois dias, para meu próprio espanto. 12 – E besta como era, inventei um
autografo da autora dizendo assim: Para Alcides, um de meus melhores clientes.
13 – Depois que li, soltei-o na sala de aula. 14 – Até hoje o livro da
prostitua foi a única leitura da maioria de meus colegas de sala. 15 – Não sei
se me orgulho ou lamento por isso. 16 – Meu melhor amigo nesse período era um
rapaz chamado Romeu. 17 – E ele é dono de boa parte de minhas lembranças
daquele ano. 18 – Tudo porque um dia me disse ter dado uns beijos na professora
de inglês. 19 – Ela tinha trinta e seis anos. 20 – Os beijos foram maneira de
dizer, afinal isso não é nenhuma crônica de Carlito Lima. 21 – A professora era
nova em Maceió. 22 – Era casada. 23 – E detestava profundamente o marido, por
motivos que tanto eu, como Romeu, que nem tínhamos idade para amar ou odiar ou
entender tudo isso, desconhecíamos. 24 – Era dezenove anos mais velha que meu
amigo, mas creio que já falei isso. 25 – Ela ficava todo o intervalo, em um
canto, longe de outros professores, fumando. 26 – Romeu um dia foi até ela. 27 –
Romeu só sabia ouvir nessa época. 28 – E foi o que bastou. 29 – Só acreditei nesse
romance quando meu amigo mostrou as mensagens e os e-mails que ela enviava para
ele. 30 – Hoje percebo que ela era bem sozinha. 31 – Era uma grande pessoa
Romeu, mas não sabia juntar duas frases de forma coerente. 32 – Mas a
professora parecia não querer respostas. 33 – Não as de um ser humano de dezessete
anos. 34 – Nessa idade o poder reside muito mais na própria idade do que em
qualquer outra coisa. 35 – Graças a deus são poucos os jovens que sabem disso.
36 – Se meu amigo fosse desses, teria sido a ruína de nossa professora de inglês.
37 – Pois até roupas novas e um corte de cabelo moderno ela pagou para Romeu.
38 – Nesse período nossa amizade ficou sendo relegada aos nossos encontros em
sala de aula. 39 – O que é o mesmo que nada. 40 – Quem acreditou na duração das
amizades colegiais, sabe do que estou falando. 41 – Não sei como, todos na sala
começaram a comentar. 42 – A tarefa de assessor de imprensa do casal acabou
sobrando para mim. 43 – Que tratava de desmentir tudo da forma mais categórica que
podia. 44 – Uma noite Romeu me telefonou desesperado, pedindo que eu fosse até
sua casa. 45 – A professora escrevera no e-mail: Não sei o que estou fazendo da
minha vida, mas se for para errar, prefiro que seja com paixão. 46 – Logo abaixo
ela dizia que só bastava Romeu dizer que sim, que ela pediria o divórcio. 47 –
Ou seja, pedia resposta. 48 – Mas também não falava que queria casar ou morar com
meu amigo. 49 – Isso tive que traduzir para ele. 50 – Romeu chorou bastante
essa noite. 51 – É triste ver um amigo chorar e você não conseguir chorar
junto. 52 – Ele disse que estava com medo. 53 – E que para ele, já bastava. 54 –
Quem escreveu o pedido de dispensa daquela matéria para Romeu fui eu. 55 – Ficamos
dois dias apreensivos, pensando que a professora se suicidaria. 56 – Para nossa
sorte ela apareceu, como em todas as quintas. 57 – Agradeci profundamente aos
céus, por ser dezembro aquele mês. 58 – E nosso último ano colegial.
Cid Brasil
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCid gostei bastante desse texto.
ResponderExcluirFiquei apreensivo como vocês dois, esperando o final do texto para ver no que daria essa história.
Ao ler sobre a professora me veio de imediato na memória imagens das mulheres de Edward Hopper... Essa solidão, a cama, a mesa para uma pessoa, o olhar a espera de alguém que salve alguma coisa dentro de si.
Salve a segunda crônica! Tenha uma boa semana.
Abraços
Bruno, que joia sua visita! -- Não sei se fico mais besta com ela ou com a
ResponderExcluira COINCIDÊNCIA de você falar do Hopper, pois quase (quase)
eu ilustrava esse texto com uma pintura dele. E seria essa aqui:
http://37.media.tumblr.com/0d1f70d0da1a26e590e4f1cc4b1cc985/tumblr_n94jdmNx8i1r1jmv0o1_1280.png
Mas é bem por aí sim e agora me arrependo de não tê-la escolhido, hahaha.
Essa noite até sonhei com essa minha turma de colégio, mas infelizmente Romeu não aparecia. Talvez ele estivesse no pátio, ouvindo nossa professora.
Um abração daqueles de chegada em rodoviária que só agente sabe trocar.
Fique bem!
Cid