(E. Hopper - Releitura para revista New Yorker) |
26. Dezesseis do seis de dois mil e quatorze. Meia noite e dez.
Admito que estava ansioso a pouco. Muito ansioso a pouco. Há dez minutos não
sabia se o que queria era ler, tomar banho, tentar dormir, espiar as estrelas
ou chorar. Coisa idiota, afinal, como minha mãe gosta de dizer, só completo
realmente anos ás dezessete horas, instante em que vim ao mundo, meu registro de
nascimento diz que é ás cinco e trinta da tarde. Mas a virada do ano é sempre
uma data estranha para mim. A virada de meus anos de vida, mais ainda.
No momento exato em que o relógio deu meia noite, não fiz nada do
que disse acima, meia noite eu estava era enchendo uma garrafa com água, rezando
para que o garrafão, já no fim, servisse para encher pelo menos mais um litro
de água. Caso contrário eu teria, com minha sede de hortaliça, sair á meia
noite, nos primeiros minutos de meu aniversário, para ir comprar água. Mas deu.
– Rezar, para ser sincero não rezei, ou rezei? Dependendo do conceito que cada
um tenha de oração, pode se dizer que sim. No meu sim, eu rezei: Simplesmente
fechei os olhos e mentalizei que o filtro se esvaziaria justamente quando a
garrafa na minha mão estivesse cheia. Volto a fechar os olhos agora, porque temo
que este texto vire algo que tanto detesto em escritos alheios. Realmente não
custa nada fechar os olhos e fazer joguinhos como o que fiz na água: Se está
garrafa encher significa que... (como pedido de aniversário não se diz,
compreenda-me, perdoem-me). Fazia tempo que eu não realizava esses jogos tão comuns
nos solitários e introspectivos. Fazia mesmo.
E como uma dessas armadilhas dos pensamentos vadios nos dias de
aniversário, ou, um desses truques óbvios que os escritores se valem ligando o
final do texto com as ideias iniciais, me ponho a pensar agora que se o
garrafão de água estivesse seco, poderia ser que eu saísse para comprar água no
posto de gasolina e lá encontrasse algo de muito bom, ou como é muito provável em
nossa cidade, a meia noite em uma loja de conveniência esquecida por deus, algo
de muito ruim. Porém, a única certeza que tenho agora é que se isto ocorresse de
uma forma ou de outra eu não teria lido de cabo a rabo, por duas vezes, o meu
registro de nascimento e nele descoberto que fui registrado no cartório do
bebedouro, pela escrivã Aldacy Costa e pensando que possivelmente meu pai tenha
ouvido da mulher do cartório a seguinte piada velha dos simpáticos sem assuntos:
Nossa, Alcides, é quase Aldacy, não é? Menos forçado que pensar isso, é
descobrir a possível raiz do meu, até aqui, desconhecido carinho
pelo judiado bairro do Bebedouro.
Hoje completo 26 anos.
Pelo menos estou mais bem conservado que meu estropiado registro.
Cid Brasil
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