sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

QUASE FICÇÃO


(Noe Sendas)



Senhoras e senhores do júri, vejam como são as cousas: Estou há oito meses escrevendo um romance sobre um escritor que é contratado para escrever um livro de memórias do governador do estado, e que ao se aproximar de seu cliente descobre o mangue em que ele está metido, e resolve por fim sabotar o livro contando as verdades sobre o político. 

Como pretendo escrever uma história de ficção que se passa em Maceió, tendo como inspiração o que de melhor elegemos para nosso comando, reunido escândalos e esquisitices num só personagem. Por vezes me surpreendo com os meandros desse lugar e alimento minha ficção do sangue que vejo escorrer nas ruas, das clássicas balas trocadas – que não são perdidas, embora não possuam remetentes, mas tenham destinatários certos por aqui – e nas armações de gabinetes. Isso tudo tem espaço obrigatório nas páginas do meu querido “Grão de Paris” que me tem tomado não só parte de minha saúde – com gastrites nervosas – e também os meus (já saudosos) dias de dolce far niente, como tem me aberto os olhos.

Escrevo esse texto, num intervalo dele, onde precisei recorrer a internet para pesquisar – e aqui chego no ponto que queria – o nome de um local onde meu protagonista no auge de sua crise, resolve afundar o pé na lama percorrendo buracos e botecos da periferia de nossa capital... É quando vejo a manchete de um site informando que o crime (pelo menos esse!) que mobilizou nosso estado, não foi culpa da imprudente reação da vitima; que também não foi culpa (pelo menos esse!) de pessoas a margem que tiraram a vida de outro semelhante, fazendo com que outros inocentes vestissem suas camisas brancas pelas ruas clamando por algo tão inefável chamado paz; o crime da semana que de certa maneira ajudou em pequenas rodas e cabeças a por mais lenha no forno humano que esse estado virou não passou de uma fria e covarde execução por questões mais covardes e antigas quanto a própria Grécia e suas tragédias: Inveja, traição, roubo...

Nossa bandeira em vermelho, branco e azul é inspirada nos lemas da bandeira francesa: Igualdade, lealdade e fraternidade. Um amigo meu costuma dizer: “É... Se até Paris ultimamente tem estado longe de sua bandeira, imagine agente?”.

Pelo menos esse tiro, retiremos da conta da “marginália” que ajudamos a excluir diariamente, só por que eles querem o que é nosso e o que é deles de direito, ou seja: Serem bons e falhos humanos.

Cid Brasil


E o que parece real:

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

FÁBULAS



(Hieronymus Bosch)



Diz a bíblia (esse livro tão citado quanto realmente lido): Quando (...) deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. (...) Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita (...) teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente”.


Devo admitir que o governo do estado de Alagoas, se valeu por muito tempo de tal passagem bíblica listada a partir de Mateus 6. Tanto, que esconderam tão bem a esmola, que nem a direita (a própria direita!) e muito menos a esquerda (a própria esquerda), nem tampouco nossos olhos ou os ouvidos ouviram por oito anos, qualquer barulho de corneta ou níquel pingado em nossos chapéus.


No entanto, contrariando questa passagem, alguém que não mora em Alagoas, mas que trabalha para o dono das mãos que esconde seus feitos tão bem – até de si – teve a brilhante ideia de finalmente fazer tocar os trombones, as sanfonas e os pandeiros. Para isso, convocaram até um músico como garoto propaganda dessa orquestra invisível (que segundo este jovem cronista, trata-se do único cidadão conhecedor de cor e salteado de nosso hino). Aos olhos da esquerda, a única coisa escondida foram os ouros que deve ter ganhado não só o cantor como os atores e civis que interpretam fábulas em HD sobre casas recebidas em troca de feijões mágicos, auxilio a dependentes químicos de docinhos da vovó, grandes indústrias que por aqui fabricam sonhos e tapetes voadores apelidados de rodovias.


Como se não bastasse tamanha ostentação de película, utilizam verdadeiras ameaças veladas como moral de cada história: “É só vir aqui para ver!” ou “hoje foram os três porquinhos, amanhã pode ser você”.

Dura trinta segundos a visão do paraíso.
 

Assim como outras formigas do reino do era uma vez, eu fui um dos que não conseguiram dormir após comer a maçã envenenada. E meu maior medo é que no próximo tratado televisivo os publicitários, digo, os trovadores e os grilos não só nos ameacem com a trombeta do inferno em punho, como bradem: “Não reclame! Você já se perguntou como vivem os personagens do Maranhão?”.


O verdadeiro ficcionista mor (e fichinha em citações) William Shakespeare – que em outras ficções é até colocado como um dos autores do livro dono da citação que abre essa crônica – encerra a vida de seu protagonista em sua farsa sobre outro reino podre da seguinte forma: “O resto é silêncio”.


Talvez seja o que as madrastas e os lobos queiram.


Cid Brasil

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

EU



(Gerald Thomas)



Eu, dono das opiniões mais erradas, dos piores julgamentos e açoites sobre mim. Human being tão careta em relação as drogas que comecei a beber aos vinte e parei aos vinte e quatro, sou um grande admirador de pás viradas como: Paulo César Peréio, Adriano Imperador, Peter Sellers e Jack Nicholson.


Eu, dono de contradições bem mais atrozes do que estás. Romântico incurável e Dom Quixote das paixões impossíveis, morro de medo de relações claustrofóbicas. Eu, que nem sei onde quero chegar com minha vida ou está crônica sou um catador de sentidos diários que me levem a frente, a escrever mais e a me manter em sã consciência – mesmo sem ter qualquer consciência do que isso signifique num mundo ausente de ordem, progresso e até mesmo de sentidos.


Eu, grande memorialista de fatos, datas e rostos inúteis e um completo alienado das próprias promessas juradas como tatuagens. Um total descrente em qualquer coletivo que não um time de futebol e Robinson Crusoé que em alguns dias evite sair da toca para encontrar a pegada de seu querido Sexta-Feira, continuo botando a maior fé que a humanidade – eu inclusive – sairemos de toda essa ego mania alucinada, e deixaremos de pronunciar tanto eu, eu, eu, eu e passaremos a (tentar) olhar mais para o vizinho.

Eu, que escrevo isso numa loja de conveniência de um posto de gasolina buscando a conveniência de um café com leite melhor que o meu, sou percebido por uma senhora em posse de uma latinha de cerveja nas mãos que na escritura do parágrafo acima me encarou a menos de um metro do vidro que nos separava e conversou comigo, ou apenas mexemos as bocas, a minha com dentes amarelos, a dela só amarela, sem dizermos realmente nada. Talvez tenha me pedido dois reais, ou perguntado o que é real. Fiz um gesto que não entendia, ela apenas riu. Deu dois goles em sua brahma quente e antes de desistir de mim, me ofereceu um gole. “Tchau!”.


***


O que me encanta no ser humano às vezes é isso, que mesmo sem perceber estamos sempre buscando no ordinário de nossas rotinas alguma ilusão, mais uma cerveja ou outro café com leite que nos encorajem a ir atrás de novos sonhos e paixões.

E principalmente de novos nós para desatar.



Cid Brasil

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

ÁGUA, CHÁ E CAFÉ



(Jan De Maesschalck)



Dias de pouca ação externa. Noites de tédio infinitamente superior a estranha saudade do calor que nos abraça – a parte a nossa eterna insatisfação crônica de tudo – dá para entender um pouco melhor os irmãos Suecos, Suíços e Noruegueses mestres da depressão onde o inimigo não é o estado ou o deus sol, mas sim eles mesmos em dias cor de chumbo.


Dias perfeitos para se fazer visitas também, embora quase nunca fazemos justamente pela preguiça ou pelo medo do incomodo que o guarda-chuva pode causar em tapetes e sapatos alheios.


-- Magina. Entra! Chá ou café?


Tanto faz, só queria um pouco de prosa e o teu teto como lençol. Me conte histórias! Fale do teu dia (ou desse ante dia) diga do que lembrou, pois chuva só traz lembranças, nem que seja do que agente nunca viveu e só viu em filmes do Woody Allen.


Hoje mesmo atravessei a Avenida Falecida, fazia tempo que não fazia isso. Necessidade. E lá pela décima cara azeda que me fitava, olhei para o canteiro central e percebi que lhe mudaram a grama e a cor. Parecia mais verde, mais viva, maior! E sem o risco no meio que percorri até onde ele se bifurcava, possível momento de separação de casais ou transeuntes. Ninguém deve mais ter ficado triste, pois o caminho sumiu. Foi há quase um ano atrás, numa segunda de carnaval onde basta dizer que estava sóbrio para que me veja. Agora, neste recuerdo, só me veem água, pingos de chuva e lágrimas. Mas não teve nada disso, vai ver que foi só a vontade dessas coisas que era tanta, que liguei o chuveiro quando cheguei em casa e fiquei lá...


Ali, uma parte de mim deve ter escorrido. Depois disso devo ter ido ler (vê como um dia na internet nunca faz parte de nossos álbuns?)


E você? Me conte algo? Pode ser até aquela vez em que você recebeu alta do hospital e não tinha ninguém que ficasse contigo. – Sua mãe disse que dos abestalhados de nossa sala, eu era o mais responsável. O que tinha mais cara de que ia virar gente. Baita heresia. E pediu para ficar contigo. – Jogamos Bomberman 4 e aquele jogo de zumbi até a própria TV confundir os personagens, e passarmos a desejar avidamente os pedaços de óleos solidificados que o patrão da sua mãe vendia como pastéis. Chovia, choveu e chove todas vez que me lembro. Era o dia do meu aniversário. Nunca te disse isso. Vê? Por isso é bom voltar. 


E você conta isso de uma forma tão bonita.


Mas e agora? O que você faz nos raros dias de água dentro e fora de ti?

Cid Brasil