domingo, 22 de dezembro de 2013

NEM AQUI


(Brad Holland)



-- Você por aqui?

-- Ué? Qual o problema? Isso é um ônibus, hoje é segunda, seis e meia da noite. Todo mundo está aqui.

-- Ah, tá. Agora essa? Nunca vi você andar de ônibus...

-- Agora ando. Ou melhor: Fico parado em ônibus. E outra! Esse é o único lugar em que posso conversar contigo já que não atende minhas ligações e nem responde minhas mensagens.

-- Então? Diga o que você quer? Voltar? A única maneira de voltarmos é só esse ônibus fizer o retorno agora mesmo. De resto, se você quiser recomeçar procure outra Jasmim.

-- Mas você já é outra Jasmim. Já se passaram dois anos...

-- E você suponho que seja outro Alcindo, não é mesmo? Só que outro fazendo as mesmas criancices do velho Alcindo: Me seguindo, me ligando no natal e no meu aniversário, me mandando mensagens de madrugada...

-- Mas eu sei que você não quer voltar, Jasmim.

-- E o que você quer? Espere: Recomeçar?

-- Não. Eu só queria te ver, te enxergar assim mais de perto, ouvir tua voz, ver essas mechas que você fez no cabelo... Sabe por que? Por que nos meus sonhos já parece outra Jasmim, uma que é a cara da Charlote Gainsbourg.

-- Esse é o seu problema Alcindo. Você leu demais...

-- Não entendo. Se a pessoa lê demais se estraga; se ama demais se estraga; se dá muito a bunda se estraga; se fuma muita maconha se estraga; se malha demais se estraga; tudo demais se estraga... Qual é o problema?

-- Café... Café demais também estraga, acabou com meu estomago.

-- O que?

-- Nada, Alcindo, sabe o que é? Eu não quero que você viva uma ilusão.

-- Se de por satisfeita então. Acabo de perder uma grande agora.

-- ?

-- Agora, a moça com a cara da Charlote Gainsbourg que interpreta você nos meus sonhos, será uma completa idiota, e depois é provável que no sonho de hoje, todas essas pessoas se revoltem contra mim e queiram me bater. Ou na pior das hipóteses, entre no meio desse diálogo um assaltante.

Nesse momento escuto um motor roncar, uma criança chorar e sinto um calor insuportável. Duas meninas com cara de shopping e um moço com cara de domingo me olham de canto de olho e trocam olhares galhofeiros, devo ter dormido de boca aberta. Triste realidade... Já nem a beijo mais. Nem em sonhos. Nem em crônicas...

Cid Brasil

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