quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

2000


(Walter Rosenblum)



Se eu tivesse doze anos hoje, eu faria o seguinte: Primeiro iria dormir, lógico. – Pois isso não é hora de criança estar acordada. – Então, no dia seguinte bem cedo, finalmente faria o seguinte: Iria até a casa do Leandro, que era meu melhor amigo na época, e diria na esquina que mataríamos aula. “Alcides, mas e as provas?” e eu o convenceria de que ficar em recuperação em ‘ciências’ nos já iriamos de qualquer jeito, independente das provas. E usaria um argumento infalível com ele.

“Nos não somos daqueles que viajam nas férias, de modo que aproveitar o fim do ano vindo ao colégio vazio, e só com os bagunceiros é a melhor maneira de se aproveitar o natal...” E perguntaria para ele se já tinha esquecido o ano passado, o de 99, quando jogamos bomberman em comemoração ao meio ponto que a professora Maria da Guia nos deu em matemática, junto com o Alexandre, o Cristiano e o Thiago. Não sem antes dizer, balançando a cabeça negativamente: “Será que a vida lá na frente vai continuar dando meio ponto para vocês?”. Foi a primeira vez que tomei Guárina na minha vida, que foi o que deu pra brindar, depois que compramos os nuggets de frango que seria fritado lá em casa como tira-gosto da confraternização.

Então, já tendo convencido o Leandro, eu teria que emprestar a ele uma camisa, pois prudente como ele era, nunca levava outra camisa e sempre ia para a minha casa de farda. Depois que ele estivesse devidamente camuflado, eu teria de mentir que havia descoberto uma locadora de videogames, onde a hora do Playstation custava só um real. Quando chegássemos lá, obviamente eu pararia em frente a porta de rolo da locadora do Gordo, e diria de uma maneira bem canastrona, pondo a mão na testa: “Que merda, está fechada ainda...”. “E agora?” Perguntaria ele. Então finalmente eu contaria a razão do meu plano maquiavélico.

“Tem uma menina Leandro, que o Alcides de 2013 gosta muito, só que ele a decepcionou e ela não quer nem papo com ele mais. Dia desses, foi aniversário dela, só que ele não sabe o dia direito e nem tem mais coragem de entregar... Então ele pediu para irmos na casa dela, que é aqui nesse bairro, e entregar essa carta. Aqui tem um texto, onde ele pede mais uma vez desculpas.”. Na carta haveria essa crônica, escrita até aqui. Até a palavra: Desculpas.
“Tá Alcides, e onde ela mora?” iria querer saber o meu fiel escudeiro mirim. “Esse é o problema, ele não sabe. Mas você vai por uma rua e eu por outra até a encontrarmos...”.

O Leandro com certeza toparia, sempre topava qualquer coisa, até jogar bola que ele nem sabia. E depois que eu explicasse como era a menina, e que ele teria que prestar bem atenção para ver onde é que ela morava para vir me explicar. Ficaríamos de nos encontrar uma hora depois em frente à locadora do Gordo. Passados uma hora, ele voltaria dizendo que não a viu e eu já estaria lá, chutando umas pedrinhas. 

Sentaríamos na calçada, meio entediados esperando que o Gordo levantasse a porta de rolo e nos gastássemos até o dinheiro da passagem jogando aquela fita de Zumbis que nunca zeramos. E então, quando os assuntos acabassem, o Leandro de 2000 perguntaria se seríamos amigos em 2013. Por dois segundos, eu voltaria a ser o homem de vinte e cinco anos e não teria coragem de dizer a verdade. – Muito menos de abraça-lo.

Cid Brasil

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