domingo, 7 de julho de 2013

ANTES DA ESQUINA TALVEZ




(Lesley Ann Ercolano)



Até dobrar aquela esquina eu vinha pensando em algo, talvez relacionado com o meu atraso até aquela esquina ou com o atraso da minha conta de luz. Sinceramente não me lembro do que eu buscava até ali. Naquela rua que abrigava uma arrogante papelaria que se intitulava livraria, três lojas de computadores, um bar com três jovens com cara de artistas criados pela vovó, um mendigo que dorme (ou talvez sonhe!) naquela tarde quente. Sei apenas que ao virar a rua que me levaria a um lugar que agora não lembro, quase fui atropelado por um carrinho de pipoca.


O alerta do meu quase algoz interrompe o sonho do mendigo, ou apenas o coloca em outro já que ele apenas mudou de posição em cima do papelão. “Machucou moço?”, respondo que não, ele me pede desculpas, estava andando distraído. Nos despedimos desejando atenção nas ruas. E enquanto continuo meu trajeto, sinto que a única coisa que foi atropelada ali foram os meus compromissos, nenhum parece ter tanta importância agora quanto o meu novo desejo: Comer pipoca. Entre as dúvidas se volto ou não, já estou longe. Retorno toda a rua do mendigo com ar de artista, da papelaria que sonha grande, dos jovens artistas de papelão e pela loja com três computadores. Contorno a quadra que imagino por onde voltou aquele senhor com verdadeiro ar de pipoqueiro da ficção. Nada. Talvez enquanto o moço que dormia como um rei em cima do papelão, o tenha colocado em outra esquina ao se virar de lado.


Enquanto tento retornar o fio de minha rotina, começa a chover. Procuro abrigo embaixo de uma fachada de uma lanchonete falida. E vendo a ponta dos meus sapatos cheia de pingos d’água, penso nas minhas perdas dentro daquela semana, em coisas que deixei passar, mesmo as que quase passavam por cima de mim. A maior delas: Ter visto a moça de nome Jasmim passar e não ter voltado. Igual ao pipoqueiro. Se eu achasse o pipoqueiro, até que renderia uma boa crônica. Agora já não sei – Uma pena que o verdadeiro artista daquela rua tenha mudado de sonho.


Me recordo de uma crônica em que o Verissimo contava sobre um homem que ao ser atropelado por uma carrocinha de pipoca vai aumentado a tragédia cada vez que a conta novamente, no final do dia diz para a esposa que foi atropelado por uma BMW. A chuva aumenta. A porta de vidro da lanchonete é toda coberta de jornais: Não há carros de pipoca, moças como Jasmim, homens como o do pipoqueiro, nem letras com as do Verissimo naquelas folhas e muito menos tranquilidade para os que sonham pelas ruas.


Talvez enquanto leiam o que escrevo, pensem que copio o Verissimo. Talvez eu quando ler o que escrevi daqui a uns tempos passe a confundir tudo, e dizer que na verdade encontrei o pipoqueiro, e igual ao outro homem eu diga que quase fui atropelado por uma BMW, talvez eu até pense que naquela semana eu falei com Jasmim.


Talvez eu me esqueça disso tudo e confunda as coisas ao virar a próxima esquina, pois já parou de chover.


Talvez.


Cid Brasil

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