(Zhiyong Jing) |
1.
Xavier está enxugando os pratos de casa e mais uma vez se pergunta por
que nasceu com aquele dedo tão podre para negócios. É dono de uma vidraçaria
pequena, ali pelas bandas do Tabuleiro dos Martins; porém, tal qual um
evangélico, ele nunca superou o passado. Tudo porque em 2007, com a
popularização dos planos de internet banda larga no Brasil, ele resolveu lançar
um site para seu incipiente negócio. Sua idéia era simples, criar um site da
vidraçaria onde os eventuais clientes pudessem ver seus trabalhos, como box
para banheiros, portas de corrediças e salões espelhados; e também seria uma
boa ferramenta para solicitarem orçamentos e contratar seus serviços. Tudo
correto se o problema não fosse mesmo o azar, ou a segunda função primordial a
que a internet domiciliar é utilizada: A pornografia. Talvez uma leve
pesquisada no Google tivesse ajudado Xavier, pois no mesmo ano bombou no mundo
inteiro um site de vídeos eróticos cujo endereço virtual era semelhante ao de
sua loja, exceto por uma letra. Xavier não recebeu nenhum comentário elogioso
no mural de recados. Em dois anos pagando domínio do site sua caixa de entrada
lotou apenas de comentários de onanistas furiosos por verem suas excitações
freadas graças ao site da sua vidraçaria, a Xvidros.com.
Orkut Buyukkokten, o criador da famosa rede social muito popular no
começo de 2000 no Brasil e na Índia – isso eles sempre fazem questão de frisar,
não sei bem porque, talvez porque vejam semelhanças culturais em ambos os
países, já que está sempre lá “popular no Brasil e na Índia” –, esteve em Porto
Alegre recentemente para participar de uma feira de empreendedores e coisa e
tal, e como não podia deixar de ser, tentou derrubar uns corpinhos através do
Tinder se valendo de sua popularidade no país (e também na Índia, é bom
lembrar). O que Orkut não sabia era do espírito de porco dos Brasileiros (e dos
indianos, vai saber) e da desconfiança geral que rondava o país. As pessoas,
vendo sua carinha pelo raio de proximidade do bairro boêmio da Cidade Baixa,
denunciaram seu perfil como fake e o Tinder retirou do ar sua conta. Talvez mal
humorado por ter vindo ao Brasil e não comido ninguém (quem sabe na Índia
tivesse mais sucesso), o senhor Buyukkokten foi bem antipático com alguns
brasilindianos durante a feira de negócios, dando declarações desdenhosas até
com seu maior sucesso: “Creio que o Orkut só ficou popular nesses dois países
porque a maioria das pessoas só possuíam internet discada, e, bom, estavam
acostumadas com a lentidão” – disse referindo-se a demora em carregar certas
páginas, devido ao pequeno servidor que hospedava seu site na época do
lançamento.
3.
Odeio profundamente estabelecimentos comerciais cujos donos são a cara, o logo e o garoto propaganda do lugar. Será que é preciso mesmo que essa lanchonete, eu penso, seja um museu vivo desse empresário? Minha mãe também é comerciante e eu passei a vida lidando com outros donos de estabelecimentos e outros filhos de donos de estabelecimentos e posso adiantar pra vocês que a maioria desse tipo, que banca o engraçadão no instagram da empresa, não vale nada. Minha mãe também divide comigo esse tipo de ojeriza a empresários ególatras e tem uma frase muito boa sobre: “Atender no balcão ninguém quer, né?”.
4.
Meu pai certa vez disse que estava abrindo uma Churrascaria na Barra de São Miguel, litoral sul de Alagoas. Na época, eu com 12 anos, pensei: Massa, vou tomar banho direto na praia e ter vida de playboy. Mas a real é que o único contato que tive com água nesse período foi na pia de lavar copos, função a que fui destinado durante aquele verão. Não tomei muitos banhos de mar, nem ganhei qualquer dinheiro, mas jogava bola todos os dias com os garçons no estacionamento do restaurante. Quando chegava um cliente, era aquela beleza, funcionário indo atender a mesa todo esbaforido, suando ou mesmo xingando os colegas de time pelo gol tomado. Quando chegou o inverno, como sempre acontece em estabelecimentos praianos, fechamos as portas.
5.
Quando criança, ao ser indagado na escola sobre a profissão dos meus pais, em geral eu mentia. A real é que eu não sabia o exato nome daquele ofício que eles exerciam e na minha cabecinha, dizer que eles eram donos de algo, podia parecer que éramos ricos, e isso eu sei que não éramos pois meu pai nos tratava mal o suficiente pra sabermos disso, ao contrário de suas amantes. Às vezes dizia para as outras crianças da sala que ele era encanador e que minha mãe era secretária de um médico. Uma vez perguntei a minha mãe qual era a profissão dela: Comerciante, ela respondeu. E eu fiquei pensando: Olha só, ok. Que bonito. Bonito nome para quem assa carne e cobra por isso. Aí um belo dia soltei na sala de aula, ao ser questionado numa dessas rodas sobre profissões, falei: Meus pais são comerciantes. A risada foi geral.
6.
A mesma coisa era em relação ao nome do meu pai quando professores perguntavam como ele se chamava. Eu dizia Antonio. Meu deus, quantas vezes pedi que meu pai tivesse um nome normal, tipo Francisco, Pedro ou Célio. Ou pelo menos na minha cabeça algo normal era algo que não chamasse tanta a atenção, um nome que dali a dois minutos todo mundo se esquecesse e só servisse para mostrar que eu não era filho adotado ou nascido de um ovo. Donatilio era o nome do meu pai. O apelido dele era Eca. Seu Eca. Porque diz a lenda da família que ele era uma criança enjoada, que reclamava de tudo. Para completar o pacote bulliyng, ele era obeso. Bem gordão mesmo. Parada mórbida. E o Seu Donatilio dizia de mim para os amigos, desconhecendo a força de seus genes na própria cria, “esse meu mais novo é meio estranho das ideia, meio louco”. É pai, talvez se o senhor ajudasse, emagrecendo ou mudando de nome. Mas é, tá pra nascer coisa que gere mais literatura do que ter pai torto.
-- Cadê o filho do Seu Eca, da Churrascaria? – Perguntou uma vez a professora da sexta série que o conhecia, no primeiro dia de aula.
Obviamente eu não levantei a mão.
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