Nas línguas latinas a melhor definição da palavra garçom é a francesa, escrita com “N” no final, que significa “rapaz”; já nos idiomas anglo-saxões, o inglês waiter ou, aquele que espera, define bem a alma desta profissão que passa por mais transformações do que o preço das caipirinhas ao longo da noite. Embora, lá como cá, todo mundo requisite a atenção desta categoria pelo universal gesto de erguer a mão junto do irritante: Psiu!
Partindo para a alta cultura e ambientes mais refinados, como os botecos, vemos que Reginaldo Rossi eternizou a figura desse serviçal contemporâneo numa canção sobre um ébrio (pinguço, em francês) desabafando casos amorosos numa mesa de bar a altas horas da madrugada, onde para tristeza do pobre coadjuvante na letra, que além do aluguel do cliente, ainda terá que deitá-lo no chão, sem sequer a estima de uma gorda caixinha ou do pagamento dos 10% opcionais.
Mas a dinâmica derivada do choque entre trabalhador e trabalhador de folga presente nas mesas e cadeiras mundo a fora tem mudado bastante desde que os jovens empreendedores passaram a assumir os negócios dos pais, e tal qual Midas ao contrário que são, ou seja, tudo em que tocam vira merda, a carreira de garçom que parecia uma opção mais digna do que o serviço militar ou a advocacia para jovens desempregados exercerem algum tipo de perversidade remunerada, agora esses profissionais tem não só que abandonar as clássicas vestimentas presente em nosso imaginário como as camisas brancas surradas e as gravatinhas borboletas, como também deixar para trás o andamento da boa e velha arte de servir sem simpatia. Ou, de servir mal, para servir sempre.
Agora, além de ostentarem trajes que mais se parecem com os de um sorveteiro de filme americano, como bandanas e aventais de cores quentes, há que se carregar sorrisos e tolerância nas bandejas cansadas com intimidade forçada de clientes. Como se não bastasse sobreviver a salários ridículos, patrões carrascos e a canções ao vivo de voz e violão, agora a estes nobres profissionais lhes são exigidos, não só a sobriedade total em alguns casos, como até mesmo que expliquem que os 10% na conta são opcionais, embora o couvert artístico seja obrigatório – mesmo que eles sequer ganhem adicional insalubridade por passar o dia inteiro ouvindo Gaúcho da Fronteira ou Homem-Aranha, de Jorge Vercilo.
O clássico tipo que só falta bater em você, está perdendo espaço para o garoto invisível de tablet na mão, ágil e faceiro, pronto a lhe recomendar o especial do dia e o melhor vinho da casa, mesmo que na pétrea linguagem das comedorias ter um atendimento rápido, com muita simpatia e atenção nunca significou que você é uma pessoa bem vinda ali ou que seu garçom da vez o estima, muito pelo contrário, isso significa que seu atendente quer o mais rápido possível que você dê o fora do lugar. Não importando se você irá deixar caixinha. Ele e principalmente, o ambiente, querem se ver livre da sua cara.
Portanto, estime a casa onde você é driblado a cada vez que levanta a mão ou solta assobios. Solte muitas estrelas nos aplicativos onde o garçom lhe joga as coisas na mesa ao invés de pousá-las e diga por aí que o olé que você tomou no salão significou estima e apreço por sua presença.
Entenda também este e outros sinais corporais emitidos pelo seu garçom, que apesar da modernidade, persiste em sua alma servil; por exemplo, ao lhe entregar o troco se ele demorar em lhe passar as notas ou mesmo se ele te colocar de forma constrangedora impedindo-o de sair da mesa, praticamente imprensando-o na cadeira, e com a cintura quase rente a sua cabeça, saiba que aquilo é mera formalidade da função e não um convite ao erotismo, pois ele não está só pedindo, mas sim dizendo que aquela gorjeta é dele.
Caso você seja um durango ou mesmo não entenda a hostil dança que ambos praticaram durante o tempo de quatro chopes e uma porção de frango à passarinha, não se preocupe, mesmo o mais embrutecido anotador de pedidos irá lhe dizer, obrigado – mesmo que seus olhos e sua alma estejam dizendo:
Fela da puta! Que em francês significa volte sempre.
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