(Henri de Toulouse-Lautrec) |
Há selfies piores. Uma vez conheci uma prostituta que me disse odiar
quando os homens se apaixonavam por ela. Perguntei quais as chances de
engatarmos um romance, um de verdade, em outras palavras, o que eu poderia
fazer para, num resumo dos lençóis, ir além da ficção. Ela contou que já era
tarde, que já havíamos começado pelo fim. Que dali para frente só nos restaria
aquilo. E que aquilo já era, para ela, nada. Nunca querer sexo, disse, pode ser
um começo.
Conversávamos horrores. E sobre coisas bonitas também. Começo a
pensar agora que dizer essas coisas na internet e sem ganhar nada e numa cidade
como Maceió, talvez seja o mais perto que chegarei do que minha amiga deveria
sentir através do olhar dos outros e dos que iam; mas no fundo é isso que
busco, unir-me a ela, virar personagem. Talvez só o que reste seja a mascara da
mentira, para que ninguém acredite. Batizar-me com outro nome. Mas... Há
selfies piores por aí. Então sigamos. Havia noites em que Pamela chorava muita,
em outras, ria feito uma drogada até de minhas lágrimas. Era engraçada: Uma vez
me perguntou qual roupa usavam os fantasmas. Aquela que nos enterram? Ou a que
mais usamos ao longo da vida? Seu maior medo era continuar pelada. Ser um fantasma
desejado.
Respondi que a única coisa que sabia dos mortos era que eles viviam
tropeçando nos móveis, algo que aprendi, contei, num livro de Enrique
Vila-Matas, o escritor espanhol. Talvez, completei, por que ajam fantasmas de
lingerie. Sim, já estive na Espanha, emendou Pamela nessa noite, que como
sempre, pegava o que queria de mim e das minhas frases: Lá é bonito,
prosseguiu, mas as pessoas sorriem com as mãos nos bolsos e sem mostrar os
dentes. Contou ainda que sua melhor amiga na Espanha foi um travesti chamado Silêncio.
O nome dele era Silêncio? Perguntei. Sim, disse ela, e apresentava
um show performático chamado DJ Silêncio. Era ator também. Tinha feitos uns
filmes por lá. Pamela contou detalhes sórdidos dos filmes e do show de DJ Silêncio,
que começava dançando uma música indiana, ou pelo menos eu imaginava assim, já
que ele não punha som, como é de se imaginar, e depois atirava papeis em branco
para a plateia, quem pegasse o único preenchido, com um número, ganhava dele um
beijo na boca e uma frase, dita ao pé do ouvido. O único recheio que havia
nesse papel da sorte era o número Zero.
Uma noite Pamela chegou mais perto do palco e conseguiu pegar o
papel marcado. DJ Silêncio a chamou e deu-lhe o prêmio: “É terrível que nos
amem!”. Era o que ele dizia no ouvido da pessoa condenada.
***
Qual minha surpresa, seis anos depois de Pamela, ao ler num conto
do já citado Enrique Vila-Matas, a seguinte passagem: “... Fernando se atirou
nesse tipo de amor que nos faz passar muito mal, pois o mantemos em segredo e
nunca somos (e estamos certos que nunca seremos) correspondidos, o que no fundo
é um alívio total, por que é terrível que nos amém...”.
Eu estava abraçado a mulher da minha vida, meus amigos, todo aquele
tempo, e não sabia. Pâmela gostava de ler. E nunca me disse. Nunca tiramos uma
selfie.
Cid Brasil
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