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(Christian Neuenschwander) |
Adolescente
suspeito de roubo é morto por populares. Está é a manchete. Agora, para
aumentar a dramaticidade, vamos dar uma idade hipotética para o adolescente,
quinze anos. – Alguém que, em tese, está a menos tempo no mundo que qualquer um
ali, na multidão que o devorou. Ok, quinze anos terá o nosso rapaz. Ainda no
caminho da piedade, ao invés de suspeito, o chamaremos logo de ladrão.
O que
roubou? O dinheiro de um caixa de supermercado. Talvez um pacote de fraldas.
Uma velha distraída ou outro adolescente (este bobo e medroso). Enfim, roubou.
Estava armado. Os motivos do roubo podiam ser vários: Da mãe enferma a um
dívida com traficantes; da namorada querendo abortar até um videogame para sí;
do show de música sertaneja ao natal... Roubou. Pronto. Apropriou-se do que não
era dele, assim como eu roubei um livro na livraria cultura de Curitiba; assim
como Laurito roubava minhas lapiseiras e o zelador daqui do prédio roubava as lâmpadas
e os interfones dos prédios vazios e Monique roubava vinhos da patroa para
bebermos e... Flagrado, o rapaz correu.
Correu,
pois ladrões que somos (ainda que de ar, água ou idéias) sabemos que vergonha
maior é não concluir o delito. A multidão, aumenta. O rapaz entra num beco, que
como a vida, não tem saída. Pronto. Finito. Kaputt. Acabou. Cada paulada. Cada
xingamento é uma flor atirada no tumulo de nosso melhor rapaz. Morreu.
No
dia seguinte, o jornalista do programa de crimes ou de humor criminal, dirá: Que
é cristão; que a impunidade é o leitmotiv dos linchamentos; que o CAFÉ H É O
MELHOR; que a diretora do programa sofre de trombose e no fim, entre piadas e
caras sérias, reprisará o depoimento de um dos linchadores, que tentando se
justificar, alega que caso fosse preso, no mês seguinte o rapazote já estaria
na rua – e quem sabe – matando, roubando e se prostituindo... Um vidente. O
apresentador não dirá nada. É um centroavante medíocre. Só escora. Só espreita.
É a voz do povo. O pedido de alerta. O menestrel do terror.
Na
mesma noite, o cronista encontrará o apresentador numa casa onde mulheres
desnudas vendem seu amor. O cronista pensara, ué? Mas ele não era cristão? Citou
até trechos da bíblia enquanto condenava o roubo do ladrãozinho e o linchamento/julgamento
das pessoas. Não era homem de bem?
Na
mesa do cronista, alguém dirá, fugindo totalmente do cenário, que o problema
são as culpas. Se há culpa. Há pecado. Outro sugere a hipotética imagem de um
tribunal cheio de juízes. No dia seguinte, por não beber, a única ressaca do
cronista é abrir os jornais. Neste, a nova manchete mostrara um marido que
matou a esposa e antes de soltar um balaço na própria cabeça, a abraçou. Ela
não o queria mais. A foto, me faz lembrar dos pais do ladrão de ontem. Em algum
aplicativo de celular, outros continuarão matando o rapaz. O ladrão era negro.
O casal também. Piedade só nós ônibus que cruzam a Fernandes Lima...
Cid Brasil
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