(Richard Diebenkorn) |
O que são
os últimos amanheceres do ano se não a certeza de que deveríamos ter ido mais a
praia? Ou a certeza que os casais deveriam fazer mais amor? Ou menos amor, no
caso dos viciados. Lembremos daquela piada da velhinha que foi para um spa curar o stress,
cuidar do peso e coisa e tal, mas que na hora da conta, quando viu os valores, teve
um ataque e infartou. Era para não ter lido tanto jornal esse ano, principalmente
os de sábado, quando os cadernos de cultura, até eles, são os mais patéticos.
Aquela banda de Liverpool – aquela a quem as filhas da velhinha no
spa se descabelavam – continuam cantando que tudo que você precisa é amor. E o
Queen nos programas de TV canta, mais do que nunca, que você é o campeão. Uma
vez, na única vez em que entrei numa sala de cursinho, ouvi o professor dizer que
todos já éramos vencedores, por estarmos ali, “vocês são espermatozoides
vencedores!”, gritou ele. Grande consolo. Antes só o consolo. Não faz muitos
anos, abri o jornal numa manhã insone e li que ele tinha se atirado de uma
ponte. Desistiu.
Assim como desistiu aquele manequim de loja que vi despencar
hoje numa vitrine, ou como desistiu aquele outro manequim, tão elegante, vestido com
roupas de construção civil e que tinha o olhar mais triste do
mundo; tal qual devia ser olhar do
professor Fabiano no seu último dia como fruto do prazer de alguém.
Minha avó, que nunca foi para um spa e que nunca se jogou de uma
ponte, ao contrário, as construiu e também as derrubou, dizia que nada morre:
Renasce. E dizia que desde criança nós sabemos como será a estrada. Daqui a
pouco minha cabeça no travesseiro vai pensar o mesmo de ontem: Autores não
descobertos, livros não lidos e não escritos; filhos descarga abaixo feito kamikaze
e algum eternamente dependendo daquela ligação. A força de se escrever um texto
otimista para 2015 talvez resida aí. Desisti de algumas coisas esse ano, minha
avó nunca errava, quando eu tinha seis anos me vi aqui: Nessa cidade, nesse
emprego, com essas pessoas. Só não me vi sem avó, pois esse ano resolveu leva-la daqui.
Perder alguém é sempre difícil, crescer é difícil, e isso a Xuxa, o Chaves, a Mônica e o
Pica-Pau não nos ensinaram – vai ver que é por que eles nunca cresceram. O
Macaulay Culkin, sim, cresceu. Mas ele ainda está naquela casa. Esquecido. Tem
34 agora e tem uma banda que faz covers engraçadinhos do Velvet Underground usando a palavra pizza nas letras. Parece feliz.
Falo sério. Evitou ver a conta no spa. Essa deve ser a única saída: Não olhar a conta, não ler jornal, não saber da
morte dos professores. Saltar dos muros ao invés das pontes; pois as pontes,
de qualquer sentido que se veja, nunca nos levaram a lugar nenhum. "Fazer da queda, um passo de dança", assim nos falou Fernando Sabino naquele Encontro Marcado.
Os garotos de Liverpool continuam cantando no rádio que tudo o que
nos precisamos é de amor. Nunca foram tão bobos. Nunca estiveram tão certos. Feliz
2015, 2014!
Cid Brasil