domingo, 28 de dezembro de 2014

MESA 2014, POR FAVOR!




(Richard Diebenkorn)


O que são os últimos amanheceres do ano se não a certeza de que deveríamos ter ido mais a praia? Ou a certeza que os casais deveriam fazer mais amor? Ou menos amor, no caso dos viciados. Lembremos daquela piada da velhinha que foi para um spa curar o stress, cuidar do peso e coisa e tal, mas que na hora da conta, quando viu os valores, teve um ataque e infartou. Era para não ter lido tanto jornal esse ano, principalmente os de sábado, quando os cadernos de cultura, até eles, são os mais patéticos. 

Aquela banda de Liverpool – aquela a quem as filhas da velhinha no spa se descabelavam – continuam cantando que tudo que você precisa é amor. E o Queen nos programas de TV canta, mais do que nunca, que você é o campeão. Uma vez, na única vez em que entrei numa sala de cursinho, ouvi o professor dizer que todos já éramos vencedores, por estarmos ali, “vocês são espermatozoides vencedores!”, gritou ele. Grande consolo. Antes só o consolo. Não faz muitos anos, abri o jornal numa manhã insone e li que ele tinha se atirado de uma ponte. Desistiu.

Assim como desistiu aquele manequim de loja que vi despencar hoje numa vitrine, ou como desistiu aquele outro manequim, tão elegante, vestido com roupas de construção civil e que tinha o olhar mais triste do mundo; tal qual devia ser olhar do professor Fabiano no seu último dia como fruto do prazer de alguém.

Minha avó, que nunca foi para um spa e que nunca se jogou de uma ponte, ao contrário, as construiu e também as derrubou, dizia que nada morre: Renasce. E dizia que desde criança nós sabemos como será a estrada. Daqui a pouco minha cabeça no travesseiro vai pensar o mesmo de ontem: Autores não descobertos, livros não lidos e não escritos; filhos descarga abaixo feito kamikaze e algum eternamente dependendo daquela ligação. A força de se escrever um texto otimista para 2015 talvez resida aí. Desisti de algumas coisas esse ano, minha avó nunca errava, quando eu tinha seis anos me vi aqui: Nessa cidade, nesse emprego, com essas pessoas. Só não me vi sem avó, pois esse ano resolveu leva-la daqui.

Perder alguém é sempre difícil, crescer é difícil, e isso a Xuxa, o Chaves, a Mônica e o Pica-Pau não nos ensinaram – vai ver que é por que eles nunca cresceram. O Macaulay Culkin, sim, cresceu. Mas ele ainda está naquela casa. Esquecido. Tem 34 agora e tem uma banda que faz covers engraçadinhos do Velvet Underground usando a palavra pizza nas letras. Parece feliz. Falo sério. Evitou ver a conta no spa. Essa deve ser a única saída: Não olhar a conta, não ler jornal, não saber da morte dos professores. Saltar dos muros ao invés das pontes; pois as pontes, de qualquer sentido que se veja, nunca nos levaram a lugar nenhum. "Fazer da queda, um passo de dança", assim nos falou Fernando Sabino naquele Encontro Marcado.

Os garotos de Liverpool continuam cantando no rádio que tudo o que nos precisamos é de amor. Nunca foram tão bobos. Nunca estiveram tão certos. Feliz 2015, 2014!

Cid Brasil

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

EU DEVERIA ESCREVER SOBRE OUTRA COISA...


(Phil Stern)



1.
Mas... Adorei essa foto. Ela é de Phil Stern, que faleceu ontem, dia 15 de dezembro, aos noventa e cinco anos. Eu não conhecia nada de Phil Stern, sua morte foi para mim como a chave de seu baú (já aberto), contendo suas belíssimas fotos em preto-e-branco carregadas com a melancolia ou a solidão de Marlon Brando, James Dean, Elizabeth Taylor e outros e outros.

2.
O personagem no corredor é Frank Sinatra, certamente no intervalo de alguma filmagem – que era como sempre agia Phil Stern – mas de Sinatra, do qual sei bem pouco, para não dizer quase nada, só conheço If You Go Away.

3.
If You Go Away, não é uma canção de Sinatra, creio que não seja de ninguém, pois ela é uma versão americana da música Ne Me Quitte Pas, de Jacques Brel, que também já não pertence a ele, pois os fãs de Edith Piaf dizem ser dela, só dela, assim como dizem os fanáticos por Nina Simone e os do próprio Sinatra e os de Júlio Iglesias e os de Maysa e os de outros e outros...

4.
As versões mais famosas são as gravadas em Inglês e Francês. Os franceses cantam como se estivessem ajoelhados, com o estomago doendo enquanto lavam os pés e as canelas do que se vão com lágrimas, pedindo perdão, pedindo também um mínimo de sombra, nem que seja a “da tua mão/ a do teu cão/ Não me deixes”, cantam eles ao final. Ou seja, querem ficar com um tijolinho daquela casa, para assim, poderem reconstruí-la. Para assim se levantarem.

5.
Já os americanos cantam do bar. Envergados pelo álcool, sustentados apenas pelo balcão e pelos últimos trapos de amor próprio. Cientes de que os melhores amores são aqueles com mais passado do que futuro – diria que essa é uma consciência kamikaze, mas consciência – ou seja, sabem que o amante tem mesmo é que ir, que se livrar de nós para poder respirar. E dizem, embora cogitando como todo suicida, o passo atrás: “Se você for embora, como eu sei que você deve/ não vai sobrar nada no mundo em quem confiar/ apenas um quarto vazio...”.

6.
Frank Sinatra tentou se matar umas três ou quatro vezes, por questões ligadas a sua carreira, julgava estar perdendo popularidade com a ascensão de artistas mais novos na música e no cinema. Morreu aos oitenta e dois anos, de infarte. Foi também um péssimo alcoólatra – pois há os bons, como Bukowski – e foi também, lembro agora, um grande amigo da máfia, alegrando suas festinhas em troca de favores e brodagens. Mas isso não depõe contra o Mister Blue Eyes, isso não; pois é melhor ser amigo da máfia do que da polícia, ou do governo.

Cid Brasil

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

RETRATO DO ALAGOANO QUANDO ARTISTA


(Rodrigo de Andrade)



Antes de mais nada: Detesto, abomino, sinto náuseas com qualquer tipo de bairrismos e nordestinidades. Quis o destino que eu tivesse pais gaúchos, uma cara de Paraguaio e nascesse em Maceió. Portanto, como diz o Roberto Bolaño (o escritor, não o Chaves, peloamordedeus!): “A pátria de um escritor talvez sejam seus livros ou sua biblioteca!” Portanto, sigamos.

Que se sonhe com mansões com piscinas é normal. Que se sonhe com carreiras políticas em Alagoas também. Até com empregos eternos e refrigerados é normal se sonhar. O que não é normal é sonhar com arte ou com literatura – como venho sonhando desesperadamente nós últimos anos. Exemplos: Viajei a pouco para três capitais diferentes, São Paulo, Curitiba e Santiago no Chile e creio ter passado mais tempo em sebos e alfarrábios do que em pontos turísticos, entre um e outro dava longas caminhadas a pé, pensando em que? Em livros, em escritores e na juventude de cada um dos que eu carregava na mochila. Pensava nos anos de formação. Na solidão do apontamento de lápis e de ideias.

Agora outro exemplo: Conversando com um amigo numa padaria que parecia saída de algum filme brasileiro da década de setenta, ele, um ator que está tentando a sorte em São Paulo, citou um jovem artista alagoano que está querendo aportar na capital paulista para trabalhar com um consagrado artista brasileiro. Por fim, acabamos falando do destino dos jovens artistas alagoanos que é mesmo dos jovens goianos, baianos e acreanos, o de almejar São Paulo. O de ir a São Paulo. O de ser devorado por São Paulo. E depois o de ser deglutido, para quem sabe assim devorar São Paulo. Até os paulistas pensam assim. Eu já pensei assim. Meu amigo pensa assim. O jovem artista com a passagem na mão pensa assim. E até quando se está sumindo, anos depois, continua a se pensar assim. Depois o meu amigo, falando do rapaz no avião, perguntou e se perguntou se valia a pena. Vale?

Fernando Pessoa, naquela frase que já virou clichê, disse que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Nesse poema Pessoa fala do mar de Portugal, das lágrimas derramadas pelos que ficavam, falava de idas e regressos. Para o meu amigo falei que não. Que não valia a pena. Falei: Que se exploda São Paulo, que se dane o grande mestre, que se foda os meios e as aparentes facilidades e o público consumista de cultura de São Paulo.

Porque o jovem artista, não rasga a passagem e fica em Maceió? Pensei. Porque não devora livros e filmes aqui? Por que não pega seu celular e filma seus próprios filmes, pinta suas telas e escreve seus poemas e romances aqui, na sala de casa? Porque não improvisa e se afia e se arrisca nestas praias? Porque não pega essa mixaria que os políticos dão para editais de cinema e literatura local e provoca, ao invés de sujeitar-se? Porque só criam poodles ao invés de bombas-relógios? Porque não esperar o convite Paulista? Para aí sim, esnobá-los.

Algo vai mal. Os artistas vão mal. Alagoas, como sempre, vai mal. Talvez sonhar com arte em Alagoas não seja errado, talvez seja o nosso destino, o nosso charme extra. Fugir, como sempre, é que é o problema. Não atrapalhar, não desafinar e não vomitar no coral, também.

Cid Brasil

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

QUADRILHA


(Christian Neuenschwander)


Adolescente suspeito de roubo é morto por populares. Está é a manchete. Agora, para aumentar a dramaticidade, vamos dar uma idade hipotética para o adolescente, quinze anos. – Alguém que, em tese, está a menos tempo no mundo que qualquer um ali, na multidão que o devorou. Ok, quinze anos terá o nosso rapaz. Ainda no caminho da piedade, ao invés de suspeito, o chamaremos logo de ladrão.

O que roubou? O dinheiro de um caixa de supermercado. Talvez um pacote de fraldas. Uma velha distraída ou outro adolescente (este bobo e medroso). Enfim, roubou. Estava armado. Os motivos do roubo podiam ser vários: Da mãe enferma a um dívida com traficantes; da namorada querendo abortar até um videogame para sí; do show de música sertaneja ao natal... Roubou. Pronto. Apropriou-se do que não era dele, assim como eu roubei um livro na livraria cultura de Curitiba; assim como Laurito roubava minhas lapiseiras e o zelador daqui do prédio roubava as lâmpadas e os interfones dos prédios vazios e Monique roubava vinhos da patroa para bebermos e... Flagrado, o rapaz correu.

Correu, pois ladrões que somos (ainda que de ar, água ou idéias) sabemos que vergonha maior é não concluir o delito. A multidão, aumenta. O rapaz entra num beco, que como a vida, não tem saída. Pronto. Finito. Kaputt. Acabou. Cada paulada. Cada xingamento é uma flor atirada no tumulo de nosso melhor rapaz. Morreu.

No dia seguinte, o jornalista do programa de crimes ou de humor criminal, dirá: Que é cristão; que a impunidade é o leitmotiv dos linchamentos; que o CAFÉ H É O MELHOR; que a diretora do programa sofre de trombose e no fim, entre piadas e caras sérias, reprisará o depoimento de um dos linchadores, que tentando se justificar, alega que caso fosse preso, no mês seguinte o rapazote já estaria na rua – e quem sabe – matando, roubando e se prostituindo... Um vidente. O apresentador não dirá nada. É um centroavante medíocre. Só escora. Só espreita. É a voz do povo. O pedido de alerta. O menestrel do terror.

Na mesma noite, o cronista encontrará o apresentador numa casa onde mulheres desnudas vendem seu amor. O cronista pensara, ué? Mas ele não era cristão? Citou até trechos da bíblia enquanto condenava o roubo do ladrãozinho e o linchamento/julgamento das pessoas. Não era homem de bem?

Na mesa do cronista, alguém dirá, fugindo totalmente do cenário, que o problema são as culpas. Se há culpa. Há pecado. Outro sugere a hipotética imagem de um tribunal cheio de juízes. No dia seguinte, por não beber, a única ressaca do cronista é abrir os jornais. Neste, a nova manchete mostrara um marido que matou a esposa e antes de soltar um balaço na própria cabeça, a abraçou. Ela não o queria mais. A foto, me faz lembrar dos pais do ladrão de ontem. Em algum aplicativo de celular, outros continuarão matando o rapaz. O ladrão era negro. O casal também. Piedade só nós ônibus que cruzam a Fernandes Lima...

Cid Brasil