(Franco Matticchio) |
Se a casa onde moro é considerada a mais feia da rua, ou a mais
suja, o que eu faço além de ficar envergonhado? Sumir ou me enfiar embaixo da
cama não dá. Pois afinal continuarei sendo o responsável direto por ela. Então
o que me cabe?
Questionar-me como deixei a situação chegar aí? Contratar alguém?
Demoli-la? – Se não der, talvez caiba a alguma alma mais corajosa simplesmente
sentar no banquinho e dizer da porta: “Pois é dona Neide, tô sem grana esse mês
para aquela reforma, me distraí.”, “Querem saber, tá suja mesmo...”, “Quer
passar a língua nessa parede para ver se limpa?”. São reações. Boas ou más: Reações.
A vergonha ás vezes incita revolta, mudanças, aceitações. Ou só acua e gera
risadas. Depende. É um sentimento tão particular quanto o amor.
***
Domingo, a coisa mais ouvida nas casas – reais e virtuais – de
Maceió após a matéria do fantástico foi: “Olha só que vergonha, Maceió a cidade
mais violenta do país...” Mas vergonha de que? Da completa nulidade de quem está
no governo do estado, ainda com nossa ajuda ou falta dela? Vergonha de escrever
que está com vergonha e amanhã ir bater o ponto na sala vizinha do deputado
acusado de assassinato? Vergonha da arma que comprei sem ter porte? Vergonha de
estar numa faculdade de leis e copiar o trabalhinho do colega? Vergonha do
eterno silêncio mesmo sendo um formador de opinião na mesa do jantar? Vergonha
de ter dito “bandido bom é bandido morto” depois que levaram meu iphone? Vergonha
de criminalizar assistência social teclando do quarto dos pais?
Se forem essas, tá valendo... Contato que amanhã não desçam pelo
ralo do chuveiro e desague na praia. Agora, se for a sensação que instiga
reações como a do moço da casa suja. Pelo menos há um começo para se descobrir um.
Também não é só culpa dos vizinhos que jogam terra nas paredes. Nem
tampouco do maloqueiro que vende crack na rua e limpa a mão nas nossas costas.
Talvez quem suje nossa casa sejam fatores bem mais fortes que vento ou a sorte.
O que não dá é dizer que sente vergonha e ficar esperando o mesmo
moço bem intencionado de quatro anos antes bater na sua porta – usando talvez
outras roupas – beijar nossos filhos e apertar nossas mãos apenas na intenção
de usar a casa como moldura para que ele estampe um nome, um número e uma função
naquelas paredes tão sujas. – Por que aí sim dá pra se sentir bastante envergonhado.
Cid Brasil
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