Cena "O Desprezo" (Jean Luc-Goddard) |
Eu não sabia nada de você, e assim
você preferia; não sabia que iria te conhecer naquela sexta de olhares infantis
e que assinaríamos meu primeiro beijo roubado; e que você voltaria, retornaria
e reapareceria durante nossa adolescência. E sempre apressada. Eu não sabia
como se vivia uma segunda-feira plena ou como se atendia uma ligação sonhada
por semanas, a única sua; nem como seria você não aparecer. E não sabia que
hidratante corporal tinha sabor.
Dias, dias, dias depois eu não sabia
que doía ouvir o silêncio do seu portão junto com um: “Não me procure mais...”
Assim de graça, de brinde, total free, sem devolução ou maiores explicações. Eu
não sabia que isso podia destruir uma segunda-feira plena e as seguintes e que
não te procurar contaminaria os outros dias. Ou o mais duro, que se sobrevivia
mesmo assim. E segui.
Eu não sabia, que mesmo assim se
aprendia, pouco, mas aprendi: Que não cozinhava nada, que nadava bem, que tinha
boa memória e que nunca esqueci o seu número; assim como nunca esqueci onde
guardei a sua única foto que vi e tive.
Passaram-se anos em dias. Isso também
não sabia que era possível. Assim como soube que promessa caducava e que
orgulho velho fazia mal para o estomago. Então, você voltou e isso, nem você
sabia: Que precisava muito de mim. Você disse que não disse nunca, nunca, nunca
o “não me procure mais...” por trás daquelas grades e não entendeu quando falei
que eu ainda estava preso naquele portão. Ou fingiu.
E continuamos não sabendo. Ou pelo
menos eu, que ouvi suas novidades cansadas, seus dois casamentos passados e
suas fugas. Dessa vez eu também menti, ao dizer que entendia como casamento é
difícil. Afinal, o que podia fazer? Você tinha voltado. E mais uma vez aprendi
que não sabia fugir com o carro estacionado; falar de tudo rindo do nada; que
pessoas mudavam, evoluíam e cresciam e só os beijos permaneciam iguais; que sempre
fui um amigo colorido e borrado; e foi ótimo não saber que faltaria energia
naquele quarto do terceiro andar. E você ouvia, ouvia, ouvia e ouvia até demais
eu acho, tanto que acreditou naquilo que disse sobre quem fotografa demais uma
viagem é porque não aproveitou nada.
Mas uma coisa eu sei e sabia: Que eu
não podia consertar seus erros abandonados, como você tanto desejava. E você
não me ouviu dizer, que deixa-los assim era burrice, pois eles voltariam. Aquilo
que você me propôs era maior do que eu e para continuar sobrevivendo, dessa vez
fui eu quem te disse: “Não me procure mais...”.
Cid Brasil
Lindo!!!
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