Orchestra (E.Hopper) |
É domingo.
E domingo é café com leite requentado
ao meio dia. Domingo é o único dia com cheiro e gosto. Domingo tem
personalidade. Domingo não é um dia na semana, é uma entidade, domingo tem metafisica.
O domingo se apossa da gente, ele nos invade, com sua luz própria de eterna
cinco horas... De um domingo. Despertamos nele com ressaca. Domingo é alma que
se arrasta. Nesse dia viramos cabides dessa melancolia. Muita gente finge não
sentir que hoje é domingo, de que jeito? Uns inventam praia, futebol, cerveja e
churrasco, eles fingem, mas sabem, mas sentem. Assim como outros que respiram o
domingo no ar gelado de salas de cinema ou shopping centers abarrotados. E tem
aqueles que não existem no domingo, fingindo indiferença ou tédio e esses sabem
muito bem, olhando o calendário e contando as horas que é domingo.
Domingo é dia de ver gente zonza,
cambaleante, perdida dentro de carros, ônibus e metros, e também dentro de si,
dentro do domingo adentro. Tem os que trabalham, mas esses também não escapam,
seja pela demasia ou escassez, de animo ou de clientes, e escorrem devagar
junto com os outros, junto todos. Cada um sente a melancolia em forma de dia
como pode: Para o moleque é sinal de escola amanhã; pro pai separado é dia de
visita e possível reconciliação; pra mãe solteira é de espera ou volta ao lar;
pro novo casal de ontem é “agente se fala, se liga ou se esquece”. É jazz
baixinho. Domingo é todo jazz. Domingo é uma eterna reprise de sensações. Seja
da moça que lamenta os erros do sábado, da semana ou da vida inteira; ou do
rapaz que bebe desesperadamente achando que está afogando toda a tristeza que o
sétimo dia traz; ou do senhor que caminha como que tentando retroceder a
esteira rolante que foi sua vida até aqui, até esse domingo. Sentimento: De
roupa amassada, de fotografia encaixotada e de livro pela metade, e sentimento
que essas coisas pela casa são nossas representações. Paulo Mendes Campos já
sentenciou: “O amor acaba. Numa esquina... Num domingo de lua nova, depois de
teatro e silêncio...” Até com ele o domingo acaba.
É dia de crônica existencialista, de
jornal cheio e televisão desligada para evitar aqueles que transformam esse num
calvário. Domingo é tênis leve ou sandália rasteira também. E também são primos
e cunhados num eterno almoço insosso. É tédio para os jovens casais e obrigação
para os velhos casais, ou vice-versa; o domingo é filme francês filmado em
sépia. Domingo é silêncio. Domingo traz aparentemente um calmo desespero em
todos, como o do rapaz trancado no apartamento tentando aprisionar o domingo, e
mal sabe ele que domingo não é traduzível, pois domingo, é um sentimento.
Cid Brasil
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