domingo, 25 de outubro de 2020

CHURRASCARIA

 


Em algum ponto entre os municípios de Teotônio Vilela e Junqueiro há uma placa na beira da estrada que chama a atenção dos motoristas mais atentos e famintos que trafegam pela BR 101 Sul do estado de Alagoas: 

“Churrascaria O Gaúcho Sincero - A única que fecha para o almoço!”

Possivelmente adquirida num esquema de permuta entre uma distribuidora de cervejas e o estabelecimento, a placa publicitária é que de melhor e mais moderno você irá experimentar no respectivo restaurante de horários alternativos, serviço ousado e decoração cansada; passado a surpresa inicial, para ficarmos nas metáforas automobilísticas, é só ladeira abaixo.

Mesmo as raias da falência, o empresário Leopoldo Soares, radicado em Alagoas há mais de quarenta anos, todos eles dedicados a fiel tradição gaudéria de assar carne e cobrar caro por isso, parece mais interessado em agradar a si mesmo ao invés dos clientes que ali pisam, vide o mantra que repete sempre que estende o cardápio aos recém-chegados:

-- Mais barato, só na concorrência!

Por falar em preços, outra curiosidade é que a carta de opções da Gaúcho Sincero é idêntica as dos outros três restaurantes presentes na região, oferecendo os mesmos pratos, carnes e bebidas, inclusive nos erros ortográficos a semelhança entre as comedorias se destaca.  Questionado sobre o tempo de preparo de um galeto gratinado, acompanhado de arroz com brócolis, Leopoldo, que ostentava um terno branco de corte barato e grosseiro, respondeu de bom grado – com seu forte sotaque gaúcho – que não, que era rápido, que o pedido levaria só o tempo do menino ir comprar ali no vizinho. Isso se a corrente da bicicleta não estourasse no caminho, alertou.

Embalado pela modéstia da casa também está o jovem chef da casa, um adolescente magérrimo de 14 anos de dentes proeminentes, vasta cabeleira, leve semelhança com Leopoldo Soares e que fica prostrado na cozinha sempre de olhos atentos aos movimentos do patrão. Pronto a sair em disparada em busca do sabor perfeito – 10% e gorjetas incluídos.

O nome atual do estabelecimento, como fica claro, reflete um pouco o cansaço e a resignação do gaúcho de Sarandi que alega ter tentando de tudo para obter algum sucesso no ramo alimentício, mas que em todos esses anos só conseguiu tocar naquilo que chamamos de subsistência e nos melhores anos, na sobrevivência.

Feito um jogador de futebol, que ao passar dos anos vai jogando em divisões inferiores conforme a decadência física, Leopoldo que começou de garçom na Churrascaria O Lançador, na orla de Maceió, conseguiu juntar dinheiro e montar seu próprio negócio no interior do estado. 

Tentou de tudo que se pode imaginar para ocupar as 22 mesas do pequeno salão: De jovens garçonetes à cantores sertanejos, passando por rodízios de carne, pizza e sushi no cardápio; indo de comerciais em rádios, perfis em rede sociais e almoço grátis para Carlinhos Maia, mais camisetas, bonés, chaveiros, promoções relâmpagos, chegando até a contratar garçons sósias de artistas de hollywood e animais silvestres engaiolados no jardim, além de alugar espaço kids, fliperamas e antena parabólica com futebol internacional, futebol americano e basquete para deleite dos desocupados que por ali deslocavam se consumir uma água mineral...

O terno branco que usa diariamente no velho esquema lavou-vestiu, foi inspirado no de Marcello Mastroianni em A Doce Vida, que Leopoldo Soares afirma remeter a uma dessas tantas empreitadas que iam lhe roendo, feito a gastrite roeu o estomago dos poucos ratos da despensa, ano após ano, o minguado lucro que obtinha na tentativa de inovar e cativar a clientela da região.

A vestimenta foi tudo que lhe sobrou, além, é claro, da estrutura do prédio e do menino-cozinheiro, possivelmente fruto de algum romance do proprietário com alguma funcionária.

Tudo bem que uma coisa é Marcello Mastroianni usar ternos brancos e ficar bonito, mas outra coisa é o gaúcho Leopoldo usar terno e parecer apenas um capo italiano; mas mesmo com sua aparência de ressaca e o mau humor no atendimento, a empresa tem experimentando uma leve melhora na economia, mesmo que a dúvida permaneça no ar se esse relativo sucesso é por causa da qualidade da cozinha (do vizinho – e da velocidade cada vez mais efetiva do boy-garçom) ou do respiro que os moribundos sempre experimentam antes de empacotar dessa para uma melhor. No caso da Gaúcho Sincero, antes de beijar a lona.

Para Leopoldo, que em alguns momentos demonstra certa cultura e algum grau de sofisticação nas respostas fruto quem sabe do canal de arte da TV a cabo que vara as madrugadas assistindo, a falência total, a verdadeira falência só se daria se a Churrascaria pegasse fogo, caso contrário ele seguirá aberto, ainda que as brasas da churrasqueira estejam sempre apagadas e os botijões quase secos. Mas em caso de fogo, eu acho que salvaria o fogo, garante. Mentira, corrige-se, salvaria o piá, diz apontando para o menino na cozinha. 

Que durante a escrita desse artigo, aproveitou-se da distração da chefia e entornou duas Coca-Colas escondido, mas ao ouvir seu nome gritado pelo patrão, subiu na bicicleta e disparou para comprar mantimentos, mesmo que desconhecesse o que era pra comprar ou fazer.

-- Tá vendo! É por isso que o pagamento tem de ser antecipado – Completou Leopoldo.

 ***

(Está foto do meu pai, suando a camisa, serviu de inspiração para esse texto.)

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