Há momentos na vida em que só esperamos o diretor gritar “corta!”
ou algum funcionário da Record aparecer para nos forçar a assinar uns papeis de
direito de imagem. Nessas horas onde nem o despertador bastaria para nos tirar
do transe e do desespero da pegadinha que se estende feito queijo cenográfico, só
o que fica é o travo amargo na boca por ninguém ter chamado os comerciais ou
mudado de canal. É preciso seguir e apertar qualquer botão do nosso controle
mental.
“A vida não imita a arte, a vida imita os programas ruins de
televisão” vaticinou o Woody Allen certa vez num programa de TV, acho. E essa é
uma verdade tão nítida e pura quanto um comercial de margarina filmado em HD. Desde que ouvi essa frase, me sinto tão reconfortado nessa viagem que é
nossa existência cheia de contrarregras, que é como se tivessem me dado uma barra de cereal enquanto avisam que o piloto sumiu.
Uma cena importante do meu show é certamente a vez em que fui
comprar traumas novos no psicólogo. Nossas consultas semanais dariam um ótimo núcleo de
novela das sete até então bobo e leve. A doutora, interpretada por Aracy Balabaniam,
quieta e sem sal; o paciente interpretado peo Eri Johsson, com uma mancha negra na cara e na alma que acredita ser charmosa (metáfora para meus pequenos problemas) quando na
verdade era apenas ridícula.
As consultas não andavam, mas eu sempre voltava para casa melhor, principalmente quando ia antes das consultas até a lanchonete vizinha a clinica, onde vendiam um bolo de cenoura
muito, muito bom. O bolo de cenoura é quem devia estar de branco e com
canetinha na mão, vejo agora, não ela, a psy, já que ela não me dava soluções
ou calmantes e parecia cada dia mais impaciente comigo.
Certo dia a Dra. notou minhas fraquezas de menino amarelo e partiu
para o ataque bradando: “Ora, porra! Você não sabe nada vida, rapaz!”. Escute,
doutora, eu respondi, vamos falar então dos meus sonhos abandonados, da minha
carreira que não decola...
Se eu tinha algum restinho de segurança para esse enlatado americano
dirigido por deus, a doutora o eliminou ali mesmo, dizendo que estava com
pressa aquele dia, alegando que a vida era cheia de tarefas que ninguém gostava,
e citou-se como exemplo, pois preferia estar em casa assistindo ao seu
pay-per-wiew do que estar ali ouvindo problema dos outros. Notando que eu disfarçava limpar as lágrimas no
canto dos olhos disfarçando que limpava a boca cheia de farelo de bolo, ela se
retratou:
-- Você é jovem, devia tentar entrar para o Big Brother, rapaz, ou tentar
alguma outra mudança radical...
Foi nesse momento que me dei conta de que aquilo não era método clínico, deboche
ou alguma forma de me tomar dinheiro (as consultas eram pelo SUS), talvez na verdade nem
formada ela fosse. Olhei para as paredes de seu consultório em
busca de diplomas ou mesmo de uma câmera ou microfones escondidos quando perguntei, meio rindo, se ela
não tinha outro conselho melhor e ela disse para ouvir minha voz interior. E só o que
escutei lá dentro foi uma voz gritar: “ô, louco, meu!”, enquanto uma claque sorria dessa outra cassetada.
Nunca mais apareci.
Cid Brasil
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