(...) |
--
Que tranqueira é essa, meu filho?
-- É
vaporwave, vó!
--
Não, não, isso aí é musica de toque de celular.
-- Deixa
eu explicar, é um estilo novo, de música sintética que...
-- Música
uma caceta! Para mim, meu filho, musica é João Mineiro & Marciano; Leandro
& Leonardo...
--
Mas vó, não mexe nos meus fones, não...
-- Esse
é o problema dessa geração: Maconha & celular... Vou até escrever um ensaio
sobre isso. Fumam um e depois ficam ti, ti, ti, ti no celular...
--
Vó, a senhora não escreve ensaios e isso aí não são os fones de ouvido, são
meus dreads...
***
Vocês
não iriam achar que agente lê autores grandões para vir aqui e escrever
qualquer coisa para vocês, não é? Mas o fato é que é sim. Até porque isso é
muito vaporwave também. Leio Cannetti e escrevo igual ao Padre Marcelo Rossi.
Num episódio de Bojack Horseman, numa viagem de acido, ele resolve escrever um
livro, mas só o que manda para a editora são 20 links do youtube, impossíveis,
lógico, de serem transcrito. Seria essa a escrita do futuro? Seria o passo além
de Sebald e suas obras?
***
Meus
pais são gaúchos, tem churrascarias e só isso já impediria – numa alma dotada
de bom senso, é claro – de que eu fosse vegetariano, mas como minha geração é
prodiga em inventar modas – não a toa somos campeões em formar artistas sem
obras – lá fui, para São Paulo, querer ser artista e virar vegetariano por um
dia.
Era
meu primeiro dia em Sampa e deslumbrado com os prédios; com a livraria cultura
no conjunto nacional; com as lojas de roupas; com o visual das pessoas e com o
metrô, esqueci da hora do almoço. Pensei: Já que estou em outra cidade, no
lugar onde se melhor come no país, vou de algo diferente. E o diferente era um
restaurante vegetariano, daqueles onde o cardápio fica na entrada (de tão caro
que são), com as opções escritas num quadro negro na calçada. Só havia, como na
vida, uma opção: Uma tal Young Salad, que pelo que entendi vinha com rúcula e
sementes de girassol.
Entrei
no lugar e esperei o garçom, o som era vaporwave, essa musiquinha de elevador mixada
com toques de celular e barulhinhos de videogame, que se ouvirmos muito ou ficamos
com dor de cabeça ou presos para sempre num filme do John Carpenter. Para o meu
espanto apareceu um magrelo, de óculos de acetato e bigodes arrebitados que
certamente seria um dos primeiros a morrer num filme de terror. Aqui tudo é
diferente, pensei, até os garçons, adapte-se, Alcides! Pedi.
A
salada demorou uma hora para chegar e eu que tive de ir buscar o prato no
balcão. Na verdade, aquilo não era um prato, era uma tapoware, fechada, cheia
de rúculas e sementes. E o vaporwave rolando... Tudo é diferente aqui, calma,
Alcides... No balcão, não havia aqueles velhos conhecidos da gente: Borges, minhoto...
E eu, um extra-virgem naquele tipo de ambiente, julguei que a salada já vinha
temperada, mas na primeira garfada, foi como mastigar uma resma de folhas xamex.
Eu
queria tempero e não queria incomodar o garçom – na verdade, nem ele queria ser
incomodado, pois sumira. Foi então que notei, na mesa ao lado, uma garrafinha
com um borrifador e dentro um liquido que para minha avó seria definido como “puxando
para o verde”. Peguei a garrafa e repeti o mantra: “Aqui tudo é diferente,
vaporwave, garçons de aspecto detestável, gente de bermuda no frio... Então, porque
o azeite viria numa garrafinha normal?”.
Mirei
o borrifador na salada e puxei o gatilho me sentido o Clint Eastwood atirando
nos inimigos: Era como se atirasse no garçom, como se atirasse no preço das
coisas, nos bigodes arrebitados, nos prédios, na música vaporwave, nos meus
cabelos que já viravam dreads com a poluição... Já estou adaptado, pensei,
consegui temperar uma salada em São Paulo, o que esperar mais? E na primeira
garfada da minha vida nova, notei o inevitável:
Era
vidrex.
Cid
Brasil
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