(Nickie Zimov) |
Tinha vinte e dois anos, era
gordinha, media 1,60cm e dizia se chamar Soraya. As manchas no seu rosto mais
pareciam um mapa-múndi feito de sardas e queimaduras de sol, ainda assim, ao seu
modo, aquela estranha geografia a tornava bonita e exótica. Cobrava cem reais e queria um amor de verdade.
Após
nos atracarmos feito feras selvagens em troca das duas onças impressas, recordo
que sempre ficávamos – ela com um todynho na mão e eu com uma cerveja, ou o contrário
–, cada qual num ângulo da cama, com as costas apoiados na parede espelhada,
ofegantes e mais íntimos, contando nossos dramas amorosos das últimas semanas, no
que Soraya chamava de vida real.
Creio
que ela não ouvia minhas histórias, ou se as escutava, não as julgava de grande
apelo dramático, de modo que nunca tecia qualquer comentário – não dizia se
eu havia errado ou se fora muito inocente com minhas conquistas civis. Eu sim
escutava seus dramas e seus azares com pretendentes que ela conhecia em
boates e bares da cidade sob seu verdadeiro nome; eram senhores com aspecto
juvenil e cabelos grisalhos que lhe pareciam libertadores de uma ditadura alimentada por vícios;
seus namorados a jato eram verdadeiros deuses terrenos que realizariam, em sua
cabeça, o milagre da vida em conjunto, da família, dessas tristezas...
Porém mais
comum ainda que esses sósias do George Clooney espalhados por Maceió era nosso
encontro seguinte, onde esses mesmos homens passavam a ser pintados de forma torpe, com
enormes barrigas e hálitos de jacaré; traidores e mitômanos da pior espécie,
por esconderem seus casamentos e filhos.
Ela me
contava tudo isso, tantos os elogios quanto as cacetadas, como
se eu não fosse do mesmo sexo que aqueles que a feriram. Ou talvez, justamente por ser seu
cliente, quem sabe na sua cabeça ela me visse ali como
outro puto, incapaz de julgar ou condenar.
Quando a
via chorar, pedia que tentasse algo sério comigo, que tirássemos nossas máscaras, mas
Soraya dizia que comecei mal, que ao lhe pagar cem reais por aquela luta
corporal que travávamos, eu perdera qualquer chance de conhecê-la de verdade, conhecê-la
fora desses espelhos que não refletiam nada.
Falava
bem a Soraya. Só que poderia ter parado aí, mas ela prosseguia: Ela dizia que
se quisesse lhe conquistar, que começasse com presentes caros e a levasse para
jantar num lugar chique, lhe pagasse uma faculdade. Nunca retruquei ou lhe disse que para mim era aí onde estava
o erro: Que se ela esperava isso do mundo, certamente só teria isso.
Hoje
vejo que o único esboço que fazíamos era o do Adão de Michelangelo, no quase
tocar de nossos dedos, onde não criávamos nada e só reproduzíamos essa pequena crueldade, semana após semana, com frases pontuadas somente pelos gemidos da TV do motel, uma crueldade que alguns aí fora chamam de amor. Mas talvez, igual piscava lá fora, aquilo fosse mesmo uma Love Story.
Cid
Brasil
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