(Juan Carlos Onetti) |
ESQUELETO
Tal qual uma meia
dúzia de vagabundos da literatura, tenho que admitir que por vezes é mais
sedutor seguir aquele caminho trilhado por Borges, que ao invés de se gastar
escrevendo grandes epopeias, resolveu facilitar a própria existência e passou a
fabricar livros imaginários, edições de areia e vento que de tão raras só
existiam em sua cabeça. Cabia tudo num conto. O argentino resolveu assim outros
dois problemas comum a todo amante de literatura, o de comprar livros e o de
arrumar tempo para lê-los. Inventou logo uma biblioteca. Tentarei aqui fabricar
o meu humilde exemplar.
CITAÇÃO DE ABERTURA
A citação de abertura
é a única certeza que tenho de meu livro inventado. E já fazendo um exercício
futurologia e também de mea-culpa, é valido fazer valer o tempo e o dinheiro do
hipotético leitor com algo engraçadinho ou espirituoso já de inicio. Como sabemos,
todo escritor ou é um borracho de primeira, conhecedor somente de rótulos de
bebida, ou é um onanista de primeira, conhecedor apenas de excelentes sites de
pornografia, portanto, a citação de abertura vem para dizer o contrário e
fazê-lo parecer aos olhos do leitor alguém que frequenta desde os papiros
bíblicos até as bulas de remédios da avó.
Esse champanhe
inaugural, tragada por outro, tem ainda que obedecer duas ordens secretas de
toda a citação: A primeira é essa que falei acima, dar uma maquiada na escassez
de dentes e cabelos e certezas do escritor, e a outra função da cita é servir
de cortina de fumaça para o Titanic antes do naufrágio, coisa que todo bom
romance ou antologia de contos, deve mirar. Fracassar, eis a grande a arte! No
meu livro abriria com essa:
“Em seu trágico
desespero, colocava as mãos na cabeça e arrancava, brutalmente, os fios da
peruca”
Enrique Vila-Matas.
Ou essa, de Franz
Kafka:
“É nos escritórios o
lugar onde melhor se disfarça a preguiça”
(Seriam essas, amigos,
as duas citações que gostaria de ter no meu livro. Obviamente são as duas
únicas que lembro, portanto, creio que elas dizem mais sobre mim do que sobre a
história que um dia quero ou que um dia imaginarei poder contar).
PRÓLOGO
Aqui, damos as mãos a Quevedo – o poeta e não o padre – e rabiscamos: “Deus te livre leitor, de prólogos longos” E assim nos livramos de escrever prólogos, pois ninguém, exceto os que querem justificar os livros inventados, escrevem prólogos. Imagine lê-los.
ÍNDICE: 1.2.3...
Há livros de poesia
onde os títulos dos poemas um abaixo do outro, ali no índice, acabam por
resultar em poemas melhores que aqueles pensados e burilados por seus autores.
Pior ainda é quando esse poema acidental vem mapeando os títulos de uma
inocente antologia de contos. Portanto, para não correr esse risco, não quero
índices.
ENFIM, A HISTÓRIA!
A história do livro
poderia ser sobre a velhice do escritor Uruguaio Juan Carlos Onetti. Bêbado e
louco, que recebia seus convidados e tietes deitado numa cama, travado de
uísque fuleiro, trajando apenas bermudinha e uma camisa furada. Pedindo
desculpa a todos, dizendo que só tinha dois dentes na boca porque os outros
emprestou a dentadura de Vargas Llosa.
Reza a lenda que Onetti puxava, debaixo do travesseiro, um revólver e apontava para a visita. Recebia todos assim, com um susto. O revólver, lógico, era de brinquedo. E o por quê dele fazer isso é igual, para mim, a sentar aqui e escrever: um absoluto mistério. Misterioso e divertido. Acho até que a capa do meu livro poderia ser essa foto de Onetti, com o revólver na mão e os olhos arregalados, rendendo o leitor ou pedindo apenas que passe adiante.
Cid Brasil
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