Dizia se chamar Emilio e era magro feito um palito. Segundo seu currículo
havia passado longas temporadas como churrasqueiro nas melhores casas do ramo
em cidades do interior de Goiás e de Pernambuco.
Emilio era um homem alto, de cabelos raspados e sinistros olhos
verdes. Tinha duas cicatrizes profundas no queixo, formando um eterno
cavanhaque em seu rosto ossudo. Suas unhas, ao contrário da judiação de sua
figura eram pintadas com base. Mãos bem asseadas, o que para um
churrasqueiro é um contrassenso absurdo.
A função de averiguar a vida pregressa daquele candidato ao emprego
era minha, mas por algo que na falta de um nome melhor – e essa é basicamente
uma história de ocultações – chamaremos de acaso (e não de preguiça), acabei
não fazendo os telefonemas que tinha de fazer para ver se Emilio era um bom
funcionário. E como também ninguém apareceu até o fim do dia, ele ficou sendo o
churrasqueiro titular no restaurante de minha mãe.
Ao assumir o posto, enquanto minha mãe e eu provávamos
o primeiro assado feito pelas mãos de pianista do novato, comentei, de
brincadeira, que a bravura daquele carvão que engolíamos seco era de se admirar;
principalmente pela carne não ter confessado nada, sequer o sabor, após a tortura em fogo alto.
Não demorou muito para vermos que Emilio além de assassinar os
frangos com seus cortes pavorosos, tirava o sabor de tudo o que tocava. Quando
minha mãe o informou que estava dispensado, Emilio admitiu ter inventado o currículo,
mas mesmo assim pediu que lhe fosse dada uma nova chance noutra função. Precisava
do emprego, pois andava angustiado temendo não poder pagar a pensão alimentícia
da filha, nos disse.
Nosso adorável assassino – como então ficou conhecido por lá – foi
transferido para o cargo de cumim (que na gíria dos restaurantes é apenas um
nome bonito para limpador de mesas) e não demorou muito para Emilio aprender os segredos do oficio de servir e se transformar num verdadeiro prodígio das bandejas e, perdoem a rima ruim, também das gorjetas.
Não era muito de falar com os outros funcionários, porém
demonstrava uma simpatia acima do normal com os clientes, mesmo com aqueles mais insuportáveis.
Porém, um belo dia, após sua folga, Emilio não apareceu para trabalhar mais, nem
tampouco atendeu nossos telefonemas ou apareceu para dar qualquer satisfação
nos dias posteriores.
Dois anos depois, um investigador de policia apareceu e nos
perguntou se conhecíamos um tal de Oswaldo Dimas. Vendo minha cara de paisagem,
o investigador mostrou uns recortes de jornal e neles vi um homem algemado,
acusado de liderar uma gangue de extermínio no interior de Goiás, a foto que
ilustrava uma das matérias era de Emilio.
Tratava-se de um bandido perigosíssimo, especialista, vejam
só, em assassinar suas vitimas com armas brancas. Contei para o investigador
tudo o que sabia, ou seja, mais ou menos essas linhas acima.
Revelei inclusive que meu maior espanto com tudo aquilo era o contrassenso
que me parecia um assassino especialista em facas ser mostrar um verdadeiro desastre
ao ter de cortar galetos e pernis. Nessa parte o investigador sorriu e disse
que talvez o problema dele fosse com os vivos. Pediu ainda que se soubéssemos de mais alguma coisa que lhe telefonasse.
Fiquei alguns dias apreensivo. Cheguei, em algumas noites, a ter
pesadelos horríveis com Emilio me perseguindo com uma faca nas
mãos; mas depois refleti sobre a sorte e sobre a tola compaixão que nutrimos
por ele e então me acalmei.
Cid Brasil
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