segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DINHEIRO DE PIPOCA



(Andy Warhol)

“Picasso disse, eu faço dinheiro.
E eu perguntei como e ele me pediu uma nota de um dólar,
autografou e disse, agora ela vale dez!”
Alejandro Jodorowsky


Este é um daqueles relatos que a primeira vista pode parecer falso. Quem sabe o meu drama continue a parecer mentira durante uma segunda conferida contra a luz do sol, mas o que posso fazer se não puder contar aqui com a piedade de vocês. Aliás, bem que essa história poderia ter como metáfora a piedade: A piedade divina, a piedade humana ou a Piedade empresa de ônibus. Vamos as minhas desgraças: 

Como todos sabem, trabalho como caixa de uma churrascaria e minha alienante rotina consiste em atender telefones, bater contas, dar boa tarde, perguntar se é no crédito ou no débito, iniciar uma conversinha fiada de dois minutos (com temas que vão de futebol a vida sexual dos suricatos, devido ao canal plugado sempre no History Channel) e passar e receber dinheiro... Claro que realizo isso com a mais absoluta distração possível. Distraído, disse Leminski, venceremos. Distraído também obtive ontem uma das primeiras derrotas do ano: Uma horrenda nota de cinquenta reais falsificada, descontadas, no fim do expediente, de meus simplórios honorários.

A magérrima onça da marca d’água, vista contra o sol, era o espelho de minha cara de palhaço. Onça tão mal desenhada como aquela só vi em tatuagens de presidiários. Voltei para casa carregando aquela folha chamex no bolso. Havia peso nela, como dizer que não: A vergonha, a humilhação, o prejuízo... Uma tonelada pesando no bolso da calça e mais barata que a própria calça.

A noite, argumentei com minha namorada que não tinha realmente me dado conta do erro. Depois, buscando alguma compensação (financeira, lógico) enumeramos alguns dos possíveis destinos para aquela Xerox de falsificação. Após descartar o descarte e a ida ao banco para assinar o recibo de otário devolvendo o dinheiro, chegamos a conclusão que uma nota falsa é também um enorme mapa de pequenos tesouros escondidos, éramos um casal rico de possibilidades novamente, ainda que o último caminho que ele primeiro nos levasse fosse até a cadeia: 

a) Podíamos passar nas grandes redes de supermercados, obtendo biscoitos e quitutes em troca do papel colorido; b) Podíamos agir na lei de Hamurabi e trocar o papel por papel, indo naquela livraria metida a besta do shopping; c) Podíamos inverter os papeis, cometendo alguma barbeiragem de propósito no trânsito só para subornar os guardas com dinheiro de pipoca; d) Podíamos transformar aquilo num eterno passe livre de ônibus estendendo um vislumbre do figurante de dinheiro ao cobrador que diria: “não tenho troco, desça aí mesmo pela frente” ou e) Podíamos ir até a igreja mais próxima e fazer vários pedidos para deus, pedidos urgentes! E no fim, depositar como dizimo o dinheiro obtendo assim não só a realização de desejos apressados como também a satisfação de contemplar a admiração dos fiéis ao redor para nossa generosidade...

Passamos a madrugada nessas conjecturas para no fim, ver o dinheiro ser engolido por uma maquininha de refrigerante na rodoviária local após três tentativas. Vinte latinhas de coca-cola que certamente nos matarão de diabetes após termos cogitado, seriamente, ludibriar deus e o diabo com cinquenta reais de mentira.

Cid Brasil

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