(Emilliano Ponzi) |
Eu não sei vocês, mas eu quando mais novo acreditava possuir um
enorme talento, talvez o maior que um jovem de quinze anos pode almejar: O talento
(ou a crença) de imitar o Silvio Santos. Passei seis meses da minha vida
assistindo a seus horrendos programas e me comunicando através de frases como:
“Vai pra lá, vai pra lá!”, ou “mas quem quer quem quer dinheiro?” além de interromper
com muito entusiasmo aulas de ensino médio, parabéns a você e aglomerações em
geral só para puxar o coro e cantar: “Festa divertida, colorida de emoção/ dia
de alegria, então sorria e vem pra cá... Ritmooo, é ritmo de festaaaa”. E como
a vida é mesmo uma eterna pegadinha estrelada pelo Ivo Holanda, e nós as eternas
vítimas desse deus ex machina com bonezinho surrado, a minha comédia só podia,
como diz o Roberto Bolaño (não o Chaves, e sim o escritor Chileno) acabar em
tragédia.
Tudo ruiu no dia em que alguém filmou meu desempenho de Silvio
durante uma ceia de natal. Foi um choque assistir no visor daquela filmadora a bestial expressão que eu fazia para atingir a voz do homem do baú – uma
expressão de guaxinim epilético e possuído. E o pior foi notar que riam de
minha terrível mascará e não da imitação. Prometi a mim mesmo, após esse
episódio, abandonar minha carreira de imitador do Silvio. O tempo, igual a voz
do Brasil, demorou a passar. Mas passou e eu abandonei os microfones. Havia
duas rádios comunitárias, uma do Trapiche e outra na Forene, que permitia que
eu entrasse no ar e falasse algumas bobagens emulando o Silvio Santos. Ninguém
nunca notou – os ouvi muito nas semanas pós trauma – minha ausência e se
notaram, disfarçaram bem.
Buscando um final menos triste para esse texto, resolvo dar uma mão
ao destino e ligo o velho rádio da sala. Giro o dial pelo AM e ouvindo a típica
colmeia de abelhas paro na altura do que pode ser o 88,7 e escuto um de pastor
chamado Nonato; são duas da manhã e a certa altura ele diz o telefone aberto
para os ouvintes. Resolvo ligar lá só para saber se aquela ainda é a antiga Mar Azul FM, caso seja, quero perguntar
ainda se meu antigo amigo Branco do Pagode continua com seu Show da Tarde. Espero o Pastor chamar o
intervalo para ligar. Após dois toques, o próprio Pastor Nonato atende. Tiro as
dúvidas que quero tirar e quando me despeço, escuto ele me chamar de filho e
pedir – com toda a educação do mundo – se não posso ajuda-lo e entrar no ar,
para conversar com ele, diz. Ele diz que é só para dar uma movimentada. Sinto
pena, lembro do próprio Branco do Pagode, sem ligações e ouvintes nos seus
programas e topo falar no ar: Digo meu nome, onde moro e o que faço. Sou apresentado como um antigo fã da rádio (o que é uma absoluta mentira) e
nisso, o Pastor Nonato, como querendo mesmo apimentar o programa, começa a
falar enrolado e a certa altura diz que estou desamparado, que aquilo foi tudo
um livramento de nosso senhor Jesus Cristo me fazendo telefonar para a rádio,
justo no seu Hora da Fé. Penso em
desligar o telefone, mas de certa forma a fala exaltada do Pastor faz um
profundo sentido e percebo que é o momento certo de exorcizar o meu demônio particular
e começo a imitar o Silvio Santos. Pastor Nonato me chama de Satanás e eu digo:
“Rarái”. Sai desse corpo! E eu digo, “mas você está certo disso, Nonato?”. Sangue de Cristo tem poder! “mas se você não
ganhar Nonato, quem ganha é a carta!”.
Infelizmente os créditos do meu telefone acabaram aí. Olho no
espelho e no lugar do meu reflexo está o próprio Mefisto com voz de Silvio, chamando
o sorteio da Tele Sena de natal.
Cid Brasil
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